Seja Bem-Vindo!

PÁGINA INICIAL (Home)

Dica: Utilize a pesquisa personalizada do blog para assuntos específicos em relação ao ceratocone.

Este blog tem o compromisso de divulgar informações precisas e atualizadas sobre o ceratocone e as opções de tratamento, cirurgias e especialmente da reabilitação visual com uso de óculos ou lentes de contato.

Pesquisar este blog

domingo, 1 de janeiro de 2012

100 Anos de Pesquisa em Ceratocone

A primeira referência ao ceratocone foi feita em 1748 em uma dissertação de doutorado pelo oculista alemão Burchard Mauchard. A condição de ceratoconefoi então descrita e distinguida de outras patologias em 1854 pelo médico John Nottingham que cunhou o termo  córnea cônica. A patologia adquiriu seu presente termo em 1869 com a publicação de uma tese entitulada “Sobre o tratamento para o ceratocone” pelo oftalmologista Suiço Johann Horner.
A era “moderna” da correção do ceratocone começou em 1888 quando o oftalmologista Francês Eugene Kalt iniciou trabalhos  em uma concha de vidro bruta desenhada para comprimir o ápice da área cônica e assim corrigindo a distorção. Esta foi a primeira aplicação conhecida de uso de lente de contato para a correção do ceratocone.
Hoje sabemos que o ceratocone ocorre tanto em homens e mulheres de todas as etnias e em qualquer país do mundo. Embora números definitivos sejam difíceis de determinar, muitos especialistas concordam que nos Estados Unidos aproximadamente 1 pessoa em cada 2 mil possui ceratocone. Embora a causa exata do ceratocone permaneça desconhecida, os efeitos ópticos da patologia tem sido trabalhado com uso de óculos e lentes de contato de alta tecnologia.
Não há evidências para apoiar a teoria de que o uso de lentes de contato desde o início do ceratocone seja de efeito terapêutico para deter ou amenizar a sua evolução. Embora na nossa experiência no IOSB de mais de 40 anos de reabilaitação visual com lentes de contato observe-se que há claramente uma relação entre o uso de lentes de contato de boa qualidade e bem adaptadas com um número bastante baixo de indicações de transplante de córnea, ou seja, quando comparados os indivíduos que usam lentes bem adaptadas com aqueles que não utilizaram os episódios de progressão foram maiores no grupo que não usou lentes, salvo exceções.
O protocolo de tratamento do ceratocone, que visa primeiramente restabelecer a melhor acuidade visual possível de se obter, sugere atualmente que o ceratocone seja observado em intervalos que variam entre a cada 3-4 meses, a cada seis meses ou a cada 12 meses dependendo da idade do paciente, do conhecimento do caso por parte do especialista e especialmente pela resposta que o mesmo apresenta ao método de correção visual ou terapêutico aplicado.
A primeira opção no diagnóstico inicial e enquanto for possível é a prescrição de óculos, é o padrão em todo o mundo. Com uma prescrição bem feita o paciente poderá em muitos casos ter uma vida normal, pois a miopia e o astigmatismo resultantes da irregularidade provocada pelo ceratocone estão sendo corrigidas se não em sua totalidade, mas ao menos em grande parte. Ao mesmo tempo a adaptação de lentes de contato tem indicação relativa no início (como opção aos óculos) e posteriormente tem indicação por necessidade quando os óculos não mais proporcionam uma acuidade visual satisfatória.

Acompanhamento da evolução da patologia
Com o acompanhamento, tanto o oftalmologista como o paciente pode observar se houve alguma deterioração da qualidade e da acuidade visual que é um indicativo de que o ceratocone teve episódio de progressão nesse tempo.  A topografia de córnea tem sido utilizada especialmente nesta última década como meio de controle. O montante da progressão irá determinar se há de fato indicação para um tratamento cirúrgico menos invasivo como crosslinking ou implante de anel intracorneano com a principal finalidade de deter possíveis novos episódios de progressão. Geralmente pequenas alterações  nos exames topográficos e na ceratometria (Ceratômetro, Auto-Refrator-Ceratômetro, Topógrafo Corneano e Tomógrafo Corneano) não devem ser levadas em consideração para a indicação absoluta de procedimentos cirúrgicos, salvo se o paciente tem apresentado sinais claros de que a visão teve uma piora significativa. É igualmente importante distinguir se esta piora visual sem alteração significativa nos exames não é um sinal de uso inadequado de lente de contato de má qualidade ou de lente mal-adaptada.  

Na medida em que o paciente ultrapassa a fase do diagnóstico inicial ele geralmente experimentará alguns episódios de progressão. Estes episódios poderão ser mais brandos em pacientes bem orientados a utilizar colírios lubrificantes em forma de lágrimas artificiais para recompor o filme lacrimal que muitas vezes é alterado nos pacientes com ceratocone. A orientação de evitar coçar os olhos e tratar de alergias que levem a coceira ocular tem grande impacto preventivo para diminuir as chances de episódios de progressão freqüentes.  Nesta fase que compreende dos 17-19 aos 23-25 anos é que os riscos de episódios de progressão são maiores.
A partir dos 25 anos, o paciente de ceratocone geralmente passa a ter episódios de progressão menos freqüentes ou mais raros, isso deve-se provavelmente ao fato de que o mesmo atravessou a fase de desenvolvimento do corpo e da atuação dos hormônios de crescimento com a chegada da idade adulta. Muitos especialistas afirmam que o ceratocone costuma estabilizar a partir entre os 30 aos 40 anos do indivíduo, embora seja de conhecimento que alguns casos continuam a progredir mesmo até após esta idade, em menor velocidade mas são casos que talvez tenham a indicação de transplante de córnea, estes são menos de 10% dos casos de ceratocone.
Nenhum outro grupo beneficiou-se tanto com a evolução na ciência de lentes de contato como os portadores de ceratocone.  Lentes de alta oxigenação, novos desenhos de boa qualidade, adaptadas de forma personalizada e por profissionais experientes possibilitam uma visão incomparável com qualquer outro meio de correção ou de tratamento cirúrgico do ceratocone. Alguns casos (não necessariamente avançados) têm uma maior complexidade de adaptação e podem requerer maior tempo de testes e de estudo para determinar a melhor alternativa, porém os resultados obtidos geralmente compensam os esforços do médico e do paciente.

A história das lentes de contato no ceratocone
As lentes de contato iniciaram com as grandes lentes esclerais de 18 mm. a 24 mm de diâmetro feitas em vidro no final do século 19. Posteriormente entre 1930 e 1940 o vidro foi substituído por um molde sintético feito chamado polimetilmetacrilato (PMMA). Este material representou um grande avanço para a fabricação das lentes esclerais pelo fato de ser mais macio que o vidro, porém devido a não possuir permeabilidade ao oxigênio a utilização destas lentes limitava-se a um período de 4 a 6 horas, depois disso começava a apresentar edema de córnea.
Nos anos 50 as lentes esclerais deram lugar a pequenas lentes de contato chamadas lentes de contato corneanas (de 7.5 mm a 8.5 mm. de diâmetro), eram lentes rígidas fabricadas no material PMMA e por possibilitarem a troca lacrimal entre a lente e a córnea possibilitaram extender o uso para entre 8 a 12 horas dependendo do seu tamanho. Quanto menor ela fosse maior o tempo de uso devido a uma menor área de cobertura da lente sobre a córnea. Com o tempo estas lentes foram aumentando de tamanho pois isso oferecia uma adaptação mais estável, entretanto o edema de córnea continuava a ser um problema ser superado.
Dois avanços dramáticos na tecnologia de lentes de contato possibilitaram aumentar os diâmetros das lentes corneanas, sendo a introdução em 1979 do material gás permeável (RGPs) e de avanços nas técnicas de fabricação destas lentes com desenhos de maior complexidade geométrica. Novos equipamentos e técnicas de fabricação possibilitaram fabricar lentes com diversas curvaturas. Uma das mais importantes e que continua ainda sendo uma das lentes mais adaptadas no mundo é a lente rígida Soper, criada pelo nosso amigo e mentor Joseph W. Soper na Baylor Medical College em 1968.
Também em 1970 uma técnica chamada piggyback foi introduzida nos EUA com a finalidade de facilitar a adaptação de lentes de contato, consistia na adaptação da lente rígida sobre uma lente gelatinosa e continua sendo até hoje uma técnica utilizada, geralmente com bastante limitação e com um custo x benefício não muito favorável ao paciente, utilizada quando não se consegue obter uma boa adaptação com as lentes RGPs. O problema é que em grande parte dos casos o paciente irá desenvolver uma intolerância a esta técnica, especialmente pelo fato de a lente gelatinosa (mesmo descartável) provoca a médio-longo prazo uma intolerância alérgica devido à menor hidratação da córnea que ocorre com a lente gelatinosa. Outra tecnologia introduzida em meados de 1977 foi a lente híbrida, com um centro rígido e uma “saia” gelatinosa, chamada inicialmente de lente Saturno 1, esta lente apresentou problemas de descolamento da porção gelatinosa que rasgava com facilidade, mais tarde surgiu então a nova versão Saturno II que tinha a finalidade de ser mais resistente. Esta lente continuou a apresentar problemas com a porção gelatinosa periférica além de criar situações de edema de córnea por hipóxia (carência ou ausência de oxigênio suficiente para manter a córnea fisiologicamente saudável). Mais tarde a tecnologia foi reintroduzida no mercado sob o nome de Softperm e posteriormente vendida a outra empresa que novamente introduz no mercado a lente com o nome SynergEyes.
A lente tipo Soper foi aos poucos adotada no mundo inteiro e até hoje ainda é a lente mais adaptada para o ceratocone. Em alguns países surgiram variações desta lente cada uma prometendo um avanço em relação a original. Em 1986 surgia a lente Ultracone tipo Soper Modificada, fabricada pela Ultralentes que vem sendo aprimorada até os dias de hoje. Em 1988 aproximadamente o optometrista Neo-Zelandês Paul Rose criou uma destas variações chamando-a de Rose K patenteando seu desenho e através de um marketing muito bem feito vendeu a tecnologia através de royalties para países da América do Norte e Europa e posteriormente vendeu os direitos a uma empresa americana e esta repassou a outra maior.
No Brasil, em 1986 surgia a Ultralentes, laboratório criado pelo Dr. Saul Bastos (meu pai) e eu com a finalidade de desenvolver soluções para casos de alta complexidade como o ceratocone, pós-transplante de córnea, pós-cirurgia refrativa, pós-trauma, afacia, alta miopia e astigmatismos elevados, além dos casos de miopia e hipermetropia simples. De início começou o projeto Ultracone ou também conhecida na época como lente Soper Modificada que ele já adaptava em seus pacientes e com a Ultralentes passou a ter uma série de aperfeiçoamentos na tecnologia de fabricação e no seu desenho e a tornaram uma das melhores lentes especiais para ceratocone já desenvolvidas.
Diferentemente das demais lentes fabricadas pelas empresas de grande porte e com eficientes sistemas de fabricação, de distribuição e de vendas, a lente Ultracone passa a ser um artigo de luxo de alta tecnologia e primorosa qualidade adaptada por um seleto número de especialistas muitos freqüentes palestrantes sobre o tema adaptação de lentes especiais em congressos de oftalmologia como o próprio Dr. Saul Bastos.  

Por mais de 100 anos as lentes de contato tem sido a primeira opção de modalidade para o tratamento do ceratocone. Poucas modalidades em toda a medicina obtiveram tamanho sucesso em longo prazo. Observa-se também que em diversas vezes tentou-se reintroduzir tecnologias especialmente em lentes gelatinosas ou híbridas que acabaram mostrando as mesmas limitações e complicações do passado.  Muitos pacientes são levados a acreditar que estas modalidades alternativas de lentes são inovações mas na verdade não passam de reintroduções de tecnologias já experimentadas no passado que não tiveram êxito e por isso não sustentaram-se.
As lentes rígidas, hoje conhecidas como gás permeáveis (GPs) são indiscutivelmente as que oferecem a melhor qualidade e acuidade visual e se forem de alta tecnologia, de boa qualidade final e bem adaptadas oferecem grande conforto, a melhor acuidade visual possível de se obter e garantem a saúde fisiológica da córnea, fundamental na adaptação de lentes de contato.
Talvez a melhor inovação em lentes de contato desta década seja a reintrodução das lentes esclerais e semiesclerais rígidas feitas em materiais de alta permeabilidade ao oxigênio. A Ultralentes iniciou um projeto de pesquisa e desenvolvimento destas lentes em 2003 e somente no final de 2007 as primeiras lentes foram fabricadas e iniciou-se os testes clínicos no Instituto de Olhos Dr. Saul Bastos (IOSB). No final de 2008 já havia mais de 50 pacientes adaptados com as lentes SSB e com resultados extremamente animadores, sem nenhuma complicação. Em Julho de 2009 a Ultralentes anuncia então de forma pioneira o lançamento de sua linha de lentes de contato esclerais e semiesclerais com os nomes de Scleral Bastos (SB) e Semi-Scleral Bastos (SSB) com lentes de diâmetros de 16 a 21 mm de diâmetro de desenhos asféricos de alta complexidade geométrica.  O melhor desta tecnologia é que ela permite a utilização destas lentes além de tratamento corretivo da visão, como tratamento terapêutico em algumas doenças da superfície ocular.*
Lente Ultracone Scleral Bastos (SB) em ceratocone avançado,
cortesia Ultralentes.

O custo mais elevado destas lentes justifica o investimento especialmente naqueles casos onde o paciente tentou adaptar diferentes lentes rígidas sem sucesso, casos onde mesmo os mais avançados desenhos de lentes corneanas não foram suficientes para oferecer conforto e boa adaptação.  As lentes SB e SSB possuem dois variações, a Ultracone (SB ou SSB) e a Ultraflat (SB ou SSB). Os especialistas que já estão adaptando aos poucos estas lentes podem optar entre o modelo SSB de diâmetro entre 14.5 mm. e 16.0 mm. ou a SB de diâmetro entre 16.5 mm. e 21.0 mm.
Atualmente o IOSB possui uma casuística de mais de 250 casos de pacientes em sua maioria ceratocone de iniciais á moderados com intolerância a lentes rígidas corneanas, pacientes com ceratocone e deficiências lacrimais, casos de ceratocone pós-implante de anel, casos de Degeneração Marginal Pelúcida, casos de ceratoglobo, casos de ceratocone extremo (acima de 70 dioptrias), casos de pós-transplante de córnea com astigmatismos elevados, cerca de 10 casos pós-trauma e a utilização como tratamento terapêutico em casos de olho seco por ceratoconjuntivite sicca, por síndrome de Sögren, Síndrome de Stevens Johnson e um caso de queimadura química. O índice de complicações destas adaptações é praticamente nulo, em dois casos foram diferentes fenômenos foram observados e resolvidos em tempo hábil, essa é a grande diferença em ser detentor de uma tecnologia e poder aperfeiçoá-la em tempo real, pode-se corrigir o rumo durante o processo sem depender externa.
É sempre importante mencionar fatos, contra fatos não há argumentos. As lentes de contato RGPs e atualmente as lentes esclerais e semiesclerais GPs são largamente a modalidade de tratamento de correção visual mais eficaz que existe para os potradores de ceratocone. Embora alguns casos sejam beneficiados com os novos procedimentos cirúrgicos nenhum deles supera a adaptação de lentes de boa qualidade como a melhor alternativa para o paciente retomar suas atividades profissionais e sociais sem maiores dificuldades.

Avanços em Tratamentos Cirúrgicos para o ceratocone
Transplante de Córnea

Os últimos 25 anos apresentaram avanços significativos nos tratamentos cirúrgicos para o ceratocone. Se olharmos para o ano de 1986 a única opção cirúrgica para o ceratocone era o transplante de córnea tradicional de todo o botão, chamada de ceratoplastia penetrante. Foi durante um tempo um procedimento que requeria a internação do paciente por alguns dias.
Atualmente todas as cirurgias para o ceratocone são realizadas com pacientes que baixam para o procedimento e após um determinado número de horas vão para suas casas para fazer a recuperação. A própria técnica tradicional teve aprimoramentos que passam por instrumentos mais precisos e pela sensibilidade do cirurgião que quando tem uma curva de experiência consegue obter um resultado melhor com uma superfície corneana menos irregular em torno do botão doado.
O uso da tecnologia do femtosecond laser possibilita resultados ainda melhores devido a sua capacidade de gerar um receptáculo na córnea hóspede com um encaixe para o botão da córnea doada que também é trabalhada pelo laser. Este encaixe do tipo “macho-fêmea” possibilita uma superfície bem mais homogênea e menos irregular, com uma cicatrização melhor e mais rápida se comparada á técnica tradicional. A técnica tradicional pode levar entre 12 a 18 meses até a total estabilização enquanto a técnica utilizando o femtosecond laser pode reduzir esse tempo para entre algo entre 6 a 9 meses.

Transplante Lamelar Anterior Profunda (DALK)
O mais recente avanço cirúrgico para o ceratocone em transplante é o refinamento da técnica de transplante de córnea de espessura parcial ou lamelar. Embora a técnica de transplante de espessura parcial (lamelar) esteja sendo praticada há muitos anos a melhor resposta visual está sendo obtida com uma refinada técnica introduzida pioneiramente pelo Dr. Mohammed Anwar na Arábia Saudita. Com a “grande bolha” (Ceratoplastia Lamelar Anterior Profunda), ar é injetado dentro da córnea de maneira que a membrana de descemet (logo abaixo do epitélio corneano) seja separada do estroma e assim o cirurgião poderá retirar a parte afetada pelo ceratocone sem entanto retirar o endotélio corneano (camada mais profunda da córnea).
As células endoteliais têm um papel extremamente importante em retirar excesso de água da córnea e manter sua transparência. Com o transplante tradicional a córnea receptora do paciente poderá reconhecer o botão do enxerto doador como um inimigo e rejeitar atacando-o como um invasor. Isso pode destruir as células endoteliais críticas que não se regeneram. Mesmo com a inexistência de rejeição estas células tendem a morrer algum tempo após o transplante tradicional e eventualmente a córnea pode tornar-se nublada perdendo a transparência e o transplante tem que ser refeito com uma nova córnea.
A técnica do transplante lamelar anterior profundo possibilita ao paciente manter o seu endotélio, permanecendo assim com suas células endoteliais e desta maneira a rejeição praticamente deixa de ser uma preocupação. Um enxerto feito com esta técnica deve ser apto a durar por toda a vida do paciente.

Implante de anéis intraestromais
Os segmentos de anéis intraestromais foram desenvolvidos inicialmente no Instituto Barraquier com o nome de Intacs para controle e redução da miopia. No Brasil, durante a década de 90 o oftalmologista Dr. Paulo Ferrara desenvolveu um protótipo com diferentes nomogramas para o tratamento do ceratocone, chamada técnica do Anel de Ferrara. Tempos depois outros fabricantes criaram suas versões chamadas Corneal Rings e Kerarings com diferentes desenhos. Atualmente há um aprimoramento da técnica que pode ser feita utilizando a tecnologia do femtosecond laser para produzir os dutos nos quais os segmentos do anel serão inseridos. A finalidade é gerar dutos com profundidade e tamanho precisos para a obtenção de melhores resultados. Alguns cirurgiões defendem a técnica manual dizendo que se o cirurgião tem experiência ele pode criar os dutos manualmente com o instrumento original para este fim com resultados similares e com o custo bem menor, não havendo de fato necessidade de utilização do laser para este fim.
Esta técnica visa prover a córnea com um reforço para deter o avanço da patologia e ao mesmo tempo reduzir a distorção causada pelo ceratocone. O implante de anéis intraestromais (também chamados intra-corneanos) pode ocasionalmente melhorar a visão mas em grande parte dos casos uma correção visual é ainda necessária, as vezes os óculos podem ajudar mas geralmente há a necessidade de adaptar lentes de contato.
Trata-se de uma técnica cirúrgica minimamente invasiva quando comparada ao transplante de córnea. Embora os defensores da técnica afirmem que facilita a adaptação de lentes de contato o que se observa é que em grande parte dos casos há a necessidade de adaptação de lentes rígidas gás permeáveis. Essa adaptação em certos casos passa a apresentar complicações originadas por uma elevação provocada pela extremidade de um dos segmentos na porção para-central da córnea o que dificulta a adaptação da lente rígida devido ao toque que é gerado. Este toque nesta região leva a uma ceratite de contato e se não interrompida o uso de lentes, pode gerar uma erosão e em último caso uma úlcera de córnea.
Alguns oftalmologistas optam pelo uso de lentes gelatinosas ou pelo sistema de piggyback descrito no início do artigo, o que leva naturalmente ás complicações ora expostas anteriormente. Na nossa experiência no IOSB tivemos que desenvolver uma lente especial para adaptação pós-implante de anel, chamada de Ultracone PCR (Post-Corneal Ring) e que através de curvas asféricas de maior excentricidade e de maior valor sagital procuram sobrepor esta elevação. Em Novembro de 2011 saiu um artigo na revista Contact Lens Spectrum Magazine escrito por mim que foi inclusive capa da revista no qual eu demonstro exatamente as dificuldades criadas em certos casos pela presença do anel em relação a adaptação de lentes rígidas e como a Ultracone PCR é capaz de em muitos desses casos solucionar o problema.
Capa do periódico científico Contact Lens Spectrum Magazine publicada em Novembro de 2011
com artigo de capa sobre adaptação de lentes de contato em ceratocone pós-implante de anel.


Uma outra ótima alternativa que encontramos foi a adaptação de lentes semiesclerais ou mesmo esclerais nestes casos, especialmente nos casos mais avançados com implante de anel onde mesmo a Ultracone PCR não foi suficiente ou teve resultados limitados. Há um vídeo no You Tube demonstrando a adaptação da lente Ultracone SSB em um caso pós-implante de anel onde não foi possível a adaptação da Ultracone PCR devido ao grau elevado do paciente. O vídeo pode ser visto abaixo.

Ultracone SSB adaptada com sucesso em ceratocone pós-implante de anel, cortesia IOSB.
Crosslinking de Colágeno de Córnea com Riboflavina
A mais recente intervenção cirúrgica minimamente invasiva para o ceratocone é o crosslinking de colágeno de córnea com riboflavina sob luz ultravioleta. Pela primeira vez temos uma técnica que permite de fato interromper a progressão do ceratocone. O procedimento visa aumentar a resistência biomecânica da córnea com a liberação de radicais livres de oxigênio o que normalmente tenta se evitar com o uso de antioxidantes mas nesse caso o procedimento visa enrijecer a córnea adiantando o seu “envelhecimento” e com isso sua dureza. Desta forma segundo os estudos que vem sendo realizados desde 2001 o tratamento é eficaz para deter a progressão do caso. Alguns casos surpreendem os especialistas por observar que mesmo alguns pacientes melhoram a visão e o formato da córnea com uma parcial regressão do ceratocone mas isso não pode e não deve ser considerado na hora de decidir optar pelo procedimento pois não há garantia real de que isso irá ocorrer.

Métodos do Crosslinking (CXL)
Há duas correntes que defendem a aplicação do crosslinking sendo a primeira o método originalmente criado de remoção do epitélio (epithelium off) que é bastante doloroso para o paciente nos primeiros dias mas que pode ser contornado com a utilização de analgésicos e a outra que consiste em manter o epitélio (epithelium on). Há uma discussão sobre a necessidade de remoção do epitélio corneano, pois a não remoção do epitélio garante um maior conforto ao paciente embora a técnica de remoção do epitélio produz um efeito maior uma vez que há maior penetração da riboflavina no estroma. Segundo os especialistas que defendem a remoção do epitélio a riboflavina tem ação efetiva no terço anterior da córnea e com isso a não remoção do epitélio acarreta numa penetração muito pequena da riboflavina comprometendo a eficácia do tratamento.


Segundo os idealizadores do tratamento do crosslinking a remoção do epitélio é fundamental para que seja atingido o objetivo principal que é deter os episódios de progressão e a indicação do tratamento somente é feita se houver a constatação inequívoca de que o ceratocone encontra-se em episódios de progressão recentes. O protocolo de segurança tal qual foi concebido por Theo Seiler e Gregor Wollensak (Protocolo de Dresden) é o único que possui um histórico de casos que podem ser analisado embora o tempo e o pequeno número de procedimentos realizados representem ainda uma amostragem pequena e sem a comprovação de longo prazo. Em todo o caso os resultados observados até então são animadores no sentido de resguardar a segurança dos pacientes.
Interessantemente mesmo na Alemanha onde o crosslinking foi concebido já há muitos oftalmologistas realizando combinações de métodos o que foge do tratamento originalmente proposto no protocolo do CXL.  Há uma tendência de alguns especialistas mais ousados e interessados em expandir a aplicação do CXL em conjunto com outras técnicas como a cirurgia refrativa por fotoablação a laser e implante de anel. Estas variações foram denominadas então de experimentos possivelmente inspirados por um novo protocolo chamado de Protocolo de Atenas.
O Protocolo de Atenas é a combinação de uma cirurgia por PRK topo-guiado com a finalidade de diminuir ao máximo as irregularidades corneanas presentes no ceratocone mas evitando ao máximo a queima excessiva de tecido e a aplicação simultânea, na verdade logo em seguida, do crosslinking (CXL). O propósito é obter uma superfície ocular mais homogênea e prevenir que a mesma possa alterar utilizando o CXL para este fim. A técnica utiliza o laser topo-guiado para remover o epitélio e membrana de Bowman e ao mesmo tempo regularizar a superfície e já abrir o caminho para a aplicação do crosslinking uma vez que a penetração da riboflavina será maior e portanto garante uma maior eficácia do CXL. Foram apresentados resultados clínicos comprovando este fato.

Keraflex um novo tratamento para o ceratocone
Em 2009 surge uma nova técnica para tratamento do ceratocone que consiste em esquentar a porção interna córnea utilizando uma tecnologia de microondas e ao mesmo tempo mantendo a superfície fria para não comprometer as demais estruturas. O calor gerado pelo microondas tem a finalidade de criar um efeito de moldeamento corneano de aplanamento corneano, fazendo com que grande parte da miopia gerada pelo ceratocone seja neutralizada, embora os estudos apresentados reconheçam que o astigmatismo corneano ainda resta após o procedimento. Logo em seguida uma variação do Crosslinking é aplicada sobre a córnea desepitelizada, com o uso de uma riboflavina modificada.
O Crosslinking Acelerado foi parte essencial do estudo e foi desenvolvido posteriormente ao Keraflex pois observou-se que o ideal é que o crosslinking seja aplicado com a córnea ainda em seu estado mais “derretido” para que segurasse nessa posição mais plana, procurando eliminar ou ao menos amenizar a área cônica provocada pelo ceratocone. O crosslinking acelerado como é chamado é realizado entre 5 a 7 minutos e isso foi possível graças a riboflavina modificada desenvolvida.
Embora a técnica seja promissora no sentido de abrir uma nova perspectiva de tratamento é importante mencionar que as mesmas limitações de indicação do crosslinking são observadas no Keraflex e resultados à longo prazo são necessários para garantir a segurança e eficácia do método.

Conclusão
É inegável que houve muitos avanços nestes últimos 100 anos desde que o ceratocone tornou-se conhecido. É igualmente inegável que as décadas recentes apresentaram alternativas cirúrgicas menos invasivas que funcionam para alguns casos sozinhas. Mas ainda há um longo caminho a se percorrer até que resultados mais consistentes sejam obtidos e que tenhamos uma amostragem real e significativa de longo prazo para sabermos de sua eficácia e segurança.
É importante mencionar dois fatores importantes sobre causa e tratamento do ceratocone, primeiro que todos os estudos investigativos das causas do ceratocone apontam em determinado momento o fato de que coçar os olhos está presente na imensa maioria dos casos. Logo, tratar esse sintoma com anti-alérgicos e acredito que hidratar a superfície ocular com lubrificantes com menor conteúdo possível de conservantes ou sem preservativos seja uma boa idéia. O outro fator importante é que mesmo com todos estes novos métodos de tratamento cirúrgicos disponíveis a adaptação de lentes de contato especiais corneanas ou esclerais gas permeáveis continua sendo a melhor forma de reabilitação visual do paciente com ceratocone mesmo após os procedimentos serem realizados, salvo exceções onde a acuidade visual obtida sem correção foi suficiente para devolver uma acuidade visual satisfatória com ou sem óculos. Os avanços obtidos nos novos desenhos de lentes especiais  oferecem ao paciente segurança, conforto e especialmente a manutenção da saúde fisiológica da córnea.
Na medida em que novas informações sejam disponibilizadas sobre o tema ceratocone e tratamentos elas serão postadas neste espaço.
Um Feliz 2012 a todos com saúde e melhor qualidade de visão.


Em colaboração com o Blog C&T.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ceratocone e Adaptação de Lentes de Contato Reabilitação Visual

UMA ANÁLISE CRÍTICA DA REABILITAÇÃO VISUAL NO CERATOCONE

A reabilitação visual e a preservação da saúde e integridade fisiológica da córnea são os mais importantes aspectos a serem observados quando se fala em tratamento do ceratocone. Dos tratamentos existentes para a reabilitação visual no ceratocone a adaptação de lentes de contato é responsável por cerca de 56% dos casos tratados. O uso de óculos responde por cerca de 20% dos casos. O Implante de anel intraestromal ou crosslinking respondem por cerca de 9% dos casos e o transplante de córnea por cerca de 8%. Cerca de 7%  dos casos não necessita ainda auxílio para acuidade visual ou está aguardando para fazer alguma das opções anteriores. Dos 56% dos casos de pacientes que usam lentes de contato, cerca de 46% corresponde ao grupo que usa lentes de contato rígidas gás permeáveis (RGPs). De todos os tratamentos existentes a adaptação de lentes RGPs é a que proporciona ao paciente a melhor acuidade visual possível de obter no ceratocone.

Esta estatística acima foi obtida em uma enquete de um grupo de 337 pessoas da comunidade Ceratocone e Tratamentos no Orkut e pode ter algumas variações mas os números confirma pesquisas feitas em outros países onde observou-se que as lentes de contato são defintivamente o método de reabilitação mais utilizado. Isso é compreensível devido ao fato de que as lentes RGPs são as lentes que melhor corrigem as irregularidades topográficas da córnea no ceratocone. A melhor acuidade visual é obtida com lentes de contato RGPs especiais para o ceratocone, especialmente quando são de boa qualidade, alta tecnologia e adequadamente adaptadas. Na Figura 1 observa-se a perfeita adaptação de uma lente RGP Ultracone adaptada em uma paciente com ceratocone moderado (cortesia IOSB).

Lentes Gelatinosas X Lentes RGPs

A adaptação de lentes gelatinosas tóricas no ceratocone muitas vezes pode ter bom resultados em termos de acuidade visual nos casos iniciais e bastante moderados. O maior problema consiste nos casos mais avançados onde não é possível obter boa visão para o paciente e também no importante fator que os pacientes com ceratocone frequentemente tem alterações metabólicas da lágrima e isso afeta a superfície ocular. É freqüente entre pacientes que usam lentes hidrofílicas gelatinosas desenvolverem uma "intolerância alérgica a estas lentes, especialmente após alguns meses ou anos usando as mesmas, provavelmente devido a hipoxia (carência de oxigenação) corneana. O resultado são olhos vermelhos (hiperemia conjuntival) com a formação de neo-vasos e ardência ao longo das horas de uso das lentes.

Outra freqüente opção utilizada por alguns especialistas consiste no sistema de "piggyback" ou também conhecido com lente  "a cavalero" na qual a lente rígida é adapta sobre uma lente gelatinosa e assim o paciente tolera melhor o uso da lente rígida. O maior problema desta técnica deve-se ao fato de que com essa técnica perde-se o "melhor dos dois mundos" das lentes RGPs que são basicamente a melhor oxigenação e hidratação da superfície corneana que garantem a saúde fisiológica da córnea e a melhor visão proporcionada. Neste caso o piggyback impede a livre circulação de lágrima, absorve a película de lágrima ao longo do uso e o processo de hipoxia pode ter início levando as vezes até poucos anos para apresentar complicações, mas observa-se com alguma freqüência que isso ocorre de fato com o uso deste sistema. Um outro fator a ser considerado para o paciente é a necessidade de adaptar dois tipos de lentes (duas para cada olho) e de ter que utilizar dois diferentes sistemas de limpeza e assepsia o que encarece bastante o tratamento onerando o paciente.


Lentes Rígidas: "Não posso usar", "Não me adaptei", Não servem no meu caso"

"É falso afirmar que no início da adaptação da lente rígida o olho fica vermelho e o paciente chora."
"É falso que a lente rígida é sempre desconfortável."

(Pena, Ari de Souza et al., Clínica de Lentes de Contato, Dr.Saul Bastos, Ed. Cultura Médica, 1989, Cap.12)

Uma das dificuldades que alguns pacientes tem muitas vezes é tolerar as lentes rígidas, especialmente nos casos mais avançados onde não existe outras opções. Existem diferentes tipos e fabricantes de lentes e nem todos tem a mesma tecnologia nem mesmo a regularidade de reproduzir os desenhos que devem servir de solução visual mas ao mesmo tempo tem que oferecer conforto e segurança para a manutenção da saúde fisiológica e da integridade da córnea. Outro fator a ser considerado é que as lentes mais sofisticadas são mais caras e mais difíceis de se encontrar, o que torna complicado para os pacientes do SUS por exemplo a terem as melhores opções disponíveis, especialmente devido ao seu valor mais elevado.

Fig. 1 Lente Ultracone em um ceratocone tipo II (moderado)

O ceratocone produz alterações absolutamente únicas para cada indivíduo, apesar das topografias muitas vezes terem aspectos semelhantes que caracterízam a patologia, as implicações específicas da individualidade de cada caso são observadas no detalhe quando o exame com lentes de contato é feito sob o contraste da fluoresceína. Neste momento que os especialistas podem verificar se a lente está adequada a aquele caso e se alguma modificação é necessária para a personalização da adaptação e com isso obter maior sucesso e um melhor resultado. Esta personalização deve visar uma melhor relação lente/córnea, proporcionar conforto ao paciente e especialmente uma boa acuidade visual, preservando sempre a integridade e a manutenção do equilíbrio fisiológico da córnea.

1. O caminho para o sucesso na adaptação de lentes RGPs especiais no ceratocone tem três premissas básicas:
  1. 1. A córnea não pode ter opacidade central que inviabiliza a obtenção de uma acuidade visual satisfatória;
  1. 2. A lente precisa ser de alta qualidade e tecnologia; 
  1. 3. O paciente deve ser bem orientado pelo oftalmologista e devidamente acompanhado.

A personalização do caso é possível, viável e indicada especialmente nos casos onde os testes realizados não apresentam os resultados almejados que são, boa visão, conforto e segurança para o paciente. Para que essa personalização possa ser feita é fundamental que o médico tenha uma boa experiência na adaptação de lentes especiais e que possa contar com uma assessoria técnica de alto nível por parte do laboratório fabricante das lentes. Essa relação entre o oftalmologista e o técnico-especialista fabricante da lente é o caminho para que seja produzida uma lente com as modificações necessárias para aqueles casos.

A necessidade de personalização pode ocorrer tanto em casos de ceratocone iniciais do tipo I como nos casos moderados (tipo II) e mais avançados e extremos (tipos III, IV e V*).  Os especialistas com bastante experiência na adaptação de lentes RGPs especiais no ceratocone sabem que alguns casos fogem a regra e tem apresentações diferentes no que se refere a forma, ao tamanho e a posição da área ectásica (cone) e a área que apresenta-se ao redor desta até a área periférica da córnea.

*Obs. Embora a classificação oficial vá até IV, nós utilizamos aqui o grau V para representar os casos extremos onde até cerca de 7 anos atrás consideva-se impossível de adaptar, com curvas do ápice corneano acima de 70 dioptrias. Hoje é possível a adaptação de lentes nestes casos avançados com por exemplo a lente Ultracone Extreme que pode ser adaptada até 80 dioptrias.

Outra necessidade de personalização do caso ocorre em casos onde o paciente foi submetido a algum procedimento cirúrgico como implante de anel intra-estromal, casos pós-cirúrgicos por excimer laser e crosslinking (cirurgias combinadas) ou mesmo o transplante de córnea. Nestes casos há necessidade de uma adaptação muito elaborada, uma vez que trata-se de uma córnea que sofreu intervenção prévia seja ela menos ou mais invasiva.

Adaptação de Lentes de Contato RGPs Pós-Implante de Anel

A cirurgia de implante de anel intracorneano (também chamado intra-estromal) tem a finalidade de 1) Interromper a progressão do caso; 2) Proporcionar uma melhor regularização da superfície corneana possibilitando uma melhor acuidade visual com ou sem correção por óculos ou lentes de contato. Segundo alguns especialistas o implante facilita a adaptação de lentes de contato o que não se confirma com os relatos de inúmeros especialistas em adaptação de lentes RGPs especiais em ceratocone.  Embora alguns pacientes tenham ótimos resultados em relação a acuidade visual e reportem não precisar mais de óculos ou lentes de contato, estes em sua maior parte consistem nos casos mais iniciais ou bastante moderados da patologia que são os que mais beneficiam-se desta técnica. Embora a técnica tenha sido aprimorada nos últimos anos com desenhos de segmentos de anel de diferentes tamanhos e espessuras (chamados nomogramas) é freqüente o relato de casos onde o procedimento desapontou as expectativas do paciente, especialmente em relação a um possível ganho visual. 

A maior dificuldade no entanto é a adaptação de lentes RGPs especiais nos casos pós-implante de anel onde pelo menos um dos segmentos produz uma elevação na porção paracentral inferior da córnea que dificulta o posicionamento correto da lente, além de que esta faz um toque nessa área, resultando em ceratite localizada e intolerância ao uso de lentes rígidas. Muitas vezes o oftalmologista que está adaptando lentes depara-se com esta dificuldade e não consegue uma resolução adequada. Nestes casos é comum, "necessária" e até desejada a tentativa de adaptação utilizando o sistema de piggyback citado anteriomente. Neste momento voltamos as dificuldades supramencionadas relacionadas a hipoxia corneana e intolerância alérgica as lentes hidrofílicas. 

A Ultralentes desenvolveu, de forma pioneira, em 2005 a lente Ultracone PCR que foi concebida para sobrepor as dificuldades apresentadas, em especial a esta área de levação criada pela presença da extremidade de um dos segmentos do anel. (Figuras.2a e 3b). A lente Ultracone PCR tem um diâmetro maior e uma asfericidade múltipla que procura livrar a área de elevação permitindo que a lente possa adaptar-se sem causar danos ao epitélio corneano. O que é interessante é que os especialistas que adaptam as lentes Ultracone que também possuem a versão PCR descobriram com a ajuda do laboratório que esse modelo tem outras utilizações onde ela resolve de maneira extremamente eficiente. Alguns exemplos são as dificuldades em casos de ceratocone muito deslocados do eixo visual, degeneração marginal pelúcida e ceratoglobo e casos de pacientes com pupilas com diâmetros maiores. O controle de aberrometria aplicado a estas lentes e o seu desenho ainda mais sofisticado permitem uma melhor adaptação e uma melhor acuidade visual, especialmente a noite quando os problemas relacionados são maiores.

 Fig.2a: Teste com Ultracone PCR. Note a elevação inferior ao longo do segmento pela menor quantidade 
de fluoroesceína (contraste) que em combinação com a luz azul deixa a lágrima verde (cortesia IOSB).

    Fig.2b Lente Ultracone PCR adaptada com sucesso em outro caso Pós-Implante de Anel (cortesia IOSB).

Lentes RGPs Esclerais e Semiesclerais

Existem casos onde nem mesmo a Ultracone PCR, que foi desenvolvida para sobrepor estas elevações (fig. 2a) consegue o resultado almejado. O IOSB está utilizando nestes casos as lentes esclerais e semiesclerais pois com estas lentes é possível obter um livramento total da córnea e do limbo, porporcionando um conforto e adaptação excelentes para o paciente. Na imagem da figura 3a e 3b é possível observar a técnica de adaptação da lente Ultracone SSB, uma lente semiescleral desenvolvida em parceria com a Ultralentes a partir do modelo Ultracone. Esta lente é adaptada na esclera e não deve tocar sob hipótese alguma a córnea e o limbo. A tecnologia utilizada pela Ultralentes para a porção háptica desta lente é propriedade industrial, chama-se Spline Wave Thruster (SWT) desenvolvida em mais de 8 anos de estudo e pesquisa científica para obter um excelente padrão de adaptação escleral sem comprometer a conjuntiva e a esclera e sem comprometer os vasos para-límbicos presentes nesta área. Suprasumo da tecnologia avançada aplicada em benefício da saúde ocular, esta lente permite a troca lacrimal mas deve ter mínimo ou nenhum movimento.


Fig.3a: Ultracone SSB pós-implante de anel (cortesia IOSB)


Fig.3b: Ultracone SSB pós-implante de anel, sob fluoresceína (cortesia IOSB)

As lentes esclerais SB e semiesclerais SSB asféricas foram lançadas oficialmente e pioneiramente no Brasil no dia 30.07.2009, aproximadamente um ano depois de serem adaptados os primeiros casos no IOSB. Após a confirmação de que as lentes garantiam a saúde, a segurança e uma boa adaptação aos pacientes elas vem sendo aos poucos disponibilizadas aos oftalmologistas certificados pela Ultralentes. As lentes asféricas Semi-Scleral Bastos (SSB) e Scleral Bastos (SB) possuem diâmetros de 15.5 mm a 20.5 mm.

Indicações das Lentes Esclerais SB e Semiesclerais SSB 

Além destas lentes representarem uma excelente opção para a adaptação em casos de ceratocone, elas tem ótima indicação em casos de córneas irregulares ou com astigmatismos elevados como em casos de pós-transplante de córnea, pós-trauma, afacia e pós-seqüelas de cirugias. A utilização como meio de correção óptica pode ser feita em qualquer paciente candidato ao uso de lentes de contato que tenha intolerância absoluta a lentes de contato RGPs corneanas. O conforto que estas lentes proporcionam ao paciente é muito grande e representa uma revolução para aqueles casos onde o paciente não consegue adaptar-se a nenhuma outra lente. 

Outra boa notícia é que estas lentes tem excelente indicação terapêutica em casos de olho seco, síndrome de Sjrögen, Síndrome de Stevens-Johnson, queimaduras químicas, radiação entre outras patologias da superfície ocular que a córnea requer permanente lubrificação e hidratação para manter-se saudável. Estas lentes são inseridas nos olhos utilizando-se solução salina não-preservada pois isso irá garantir a contínua hidratação da córnea. Esta solução é trocada aos poucos naturalmente durante o uso por lágrimas do paciente ou pela instilação de lubrificante ocular através da exclusiva tecnologia Spline Wave Thruster (SWT). Entre as contraindicações pode-se citar pacientes pós-traumáticos no qual a esclera ficou muito irregular ou com alguma patologia escleral que impossibilite a colocação da lente com segurança.


Vantagens e Desvantagens

As lentes SB e SSB proporcionam um conforto excepcional que impressiona tanto o paciente, especialmente aquele que já fez inúmeras tentativas de adaptação de lentes sem sucesso, como o especialista que a testa. É freqüente ouvir o paciente dizer que quase nem precebe a sua presença a nõa ser por estar com boa visão.

O manuseio destas lentes, especialmente a sua colocação, é um ponto importante a ser considerado. Os paciente que não tiverem a motricidade normal podem ter dificuldade na colocação e podem precisar de auxílio de outra pessoa para colocar e retirar as mesmas. Pacientes com problemas emocionais ou com traumas podem ter dificuldades em colocá-las. É muito importante que o especialista somente libere o paciente após um treinamento com tempo suficiente para verificar se ele está apto a colocar e retirar a lente  com segurança. Com o treinamento e a correta orientação da equipe de apoio da clínica o paciente em pouco tempo domina a maneira de colocar a lente que é diferente das demais lentes de contato.

Outro ponto a considerar é o alto custo destas lentes em comparação com as demais lentes de contato RGPs. Embora o custo destas lentes não seja proibitivo, ele pode ser suficientemente alto para restringir o acesso a esta tecnologia para aqueles que podem arcar com o valor e honorários do oftalmologista. Este custo mais alto deve-se a uma série de motivos importantes como: o custo dessa tecnologia, do tempo dispensado ao desenvolvimento, sua fabricação e  disponibilização para o especialista; o tempo dispensado ao paciente pelo oftalmologista para realizar os testes e avaliação; o tempo dispensado no treinamento e orientação do paciente quanto a limpeza, manuseio, treinamento de colocar e retirar e tirar dúvidas e por fim as consultas de revisões que devem ser obrigatórias por pelo menos de três a seis primeiros meses.

Preparação para adaptação de Lente Escleral e Semiescleral

É importante que o oftalmologista interessado na adaptação deste tipo de lentes faça um treinamento e atenda a pelo menos um curso teórico-prático com um profissional experiente. A adaptação de lentes esclerais e semiesclerais tem uma filosofia completamente diferente da que estão acostumados com as demais lentes hidrofílicas gelatinosas e lentes rígidas gás permeáveis. Praticamente todos os pontos serem observados funcionam de maneira completamente diferente quando se trata de adaptação escleral. Iniciar este tipo de adaptação sem uma experiência e treinamento prévio não é uma boa idéia.

Alguns especialistas estão adaptando lentes semiesclerais importadas utilizando-se de lentes de teste cedidas por estes fabricantes. No começo de 2008 iniciamos testes no IOSB também com lentes semiesclerais importadas, mas para cada lente testada de um fabricante estrangeiro fazíamos uma outra fabricada pela Ultralentes. Chegamos em um ponto em meados de 2009 no qual não fazia mais sentido utilizar lentes importadas pois a tecnologia alcançada pela Ultralentes e o desempenho comprovado clinicamente no IOSB nos mostrou que as lentes SB e SSB tinham resultados melhores do que as demais testadas. Isso representa um grande orgulho com a tecnologia desenvolvida pela Ultralentes pois além de ser um laboratório 100% nacional tem em seu foco a pesquisa científica e o suporte total aos oftalmologistas para proporcionar soluções eficientes e seguras de reabilitação visual a seus pacientes. As lentes Scleral Bastos e Semi-Scleral Bastos levam esse nome como uma homenagem que fiz a meu pai, sem o qual através de sua sabedoria e pioneirismo em reabilitação visual com lentes especiais, não seria possível.

O paciente com ceratocone que tem necessidade de uma melhor qualidade de visão e que tem dificuldades com lentes de contato deve conversar com o seu oftalmologista e ver as opções disponíveis no seu caso e qual o possível impacto que determinado tratamento, seja com lentes ou métodos cirúrgicos, terá sobre esta questão da necessidade de melhor acuidade visual. É comum e salutar que o paciente e sua família também procurem a opinião de outros médicos oftalmologistas, especialistas em córnea e especialmente lentes de contato pois as vezes basta realizar um teste com uma lente de outra fabricação que o objetivo pode ser atingido. Existem vários fabricantes de lentes de boa qualidade, nem todos talvez tenham a mesma regularidade mas é importante não desisitir e saber que uma solução existe, talvez apenas ainda não tenha a encontrado.   

Obrigado pelo convite e pela oportunidade.*

Luciano Bastos

*Este artigo é uma contribuição que faço em nome do Instituto de Olhos Dr. Saul Bastos, um centro especializado em reabilitação visual com o uso de lentes de contato especiais.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Keraflex KXL - Um novo tratamento para o ceratocone

Em 2009, durante uma especialização em lentes esclerais na Inglaterra, tive conhecimento pela primeira vez desta tecnologia que vinha sendo estudada e os primeiros pacientes submetidos a este tratamento novo para o ceratocone chamado Keraflex KXL que consiste em um procedimento chamado de ceratoplastia termal por microondas. A ceratoplastia termal já foi utilizada no passado para induzir regressão de erros refrativos mas a falta de previsibilidade e a possibilidade de regressão fizeram com que esta técnica perdesse interesse por outras alternativas. Esta renovada técnica utiliza o crosslinking como forma de manter as alterações obtidas, aumentando a resistência biomecânica da córnea através de uma técnica patenteada de crosslinking acelerado. 

A tecnologia utilizada é da empresa Avedro e utiliza o equipamento Vedera KXS para induzir calor a córnea e com isso remodelar e aplanar a mesma tornando sua superfície mais regular. A empresa também desenvolveu uma tecnologia própria para a aplicação de um crosslinking acelerado que é realizado em 5 minutos, bem mais rápido em relação ao método utilizado atualmente de 30 minutos. Esta tecnologia foi desenvolvida a partir de estudos feitos com uma riboflavina (vitamina B2) modificada e também pelo uso de um raio ultravioleta de maior freqüência mas que atinge apenas o 1/3 anterior da córnea (porção de um terço mais externa) onde o crosslinking age com maior intensidade.

Embora seja bastante novo ainda o procedimento com os primeiros procdimentos feitos em 2009, o tratamento é promissor e os resultados até então tem sido animadores. Naturalmente que é preciso mais tempo para se comprovar a real segurança e eficácia do procedimento mas assim como o crosslinking e o implante de anel intraestromal deve comprovar a sua eficácia em alguns caso onde ele tem indicação segura. Segundo Dr. Peter S. Hersh (diretor da Cornea and Laser Eye Vision Institute-Hersh Vision Group), um dos pontos importantes do procedimento é a localização e definição precisa do centro geométrico da córnea, para que o procedimento seja feito no local adequado uma marca é feita na córnea por um equipamento próprio onde será realizado o tratamento.

O local onde é realizado o procedimento do Keraflex gera uma lesão que atinge o epitélio e a porção anterior do estroma (camada intermédiária e mais espessa da córnea) o que facilita a remoção do restante do epitélio na região para a aplicação do crosslinking acelerado. Após o procedimento o paciente é medicado com antibióticos para prevenção de infecções, com colírios lubrificante sem conservantes e eventualmente com anestésico para atenuar a dor. Lentes de contato terapêuticas podem ser utilizadas em alguns casos para ajudar na cicatrização do epitélio que leva em torno de 24 hs.

Algumas vantagens do procedimento são:
  • Pode resultar em um aplanamento da córnea entre 1 e 6 dioptrias de curvatura;
  • Pode melhorar a regularidade corneana;
  • Pode diminuir o erro refrativo esférico em torno de 4 dioptrias ("grau")*;
  • Possibilidade de melhor acuidade visual com óculos de grau;
  • Melhorar a adaptação de lentes de contato;
  • Estabilizar as alterações refrativas e deter o avanço do ceratocone;
  • Possibilidade de uma acuidade visual satisfatória sem correção**
* Embora os achados mostrem uma redução de até 4.39 dioptrias de erro esférico não há dados de registro de correção do astigmatismo, entretanto uma maior regularidade topográfica corneana foi observada em alguns casos. Estas informações são importantes no resultado da acuidade visual final.

** A possibilidade de uma acuidade visual final satisfatória sem correção parece limitar-se aos casos mais iniciais e moderados como no caso do implante de anel intraestromal, embora uma maior regularização da córnea possa permitir uma melhor adaptação de lentes rígidas ou mesmo gelatinosas tóricas se o astigmatismo for reduzido suficiente.

Até Maio de 2010 apenas cerca de 10 pacientes haviam sido tratados com o Keraflex, portanto é muito cedo ainda para se ter informações mais precisas sobre os resultados. A necessidade de acompanhar os primeiros casos tratados é importante para que dados mais precisos e reais sejam obtidos e divulgados, especialmente dados obtidos por avaliação de especialistas não ligados diretamente ao projeto para que os dados não sejam manipulados. Embora um acompanhamento adicional destes casos seja necessário para observar alterações de longo prazo na refração, os mapas topográficos e a acuidade visual obtida parecem estáveis até então.

Como qualquer procedimento o Keraflex requer uma seleção apropriada de pacientes para atingir bons resultados. Atualmente o Keraflex está sendo avaliado em pacientes que tem um potencial para uma boa acuidade visual mas vem passando por problemas ópticos que não podem ser facilmente corrigidos com óculos ou lentes de contato*. Pacientes com cicatrizes corneanas não são bons candidatos para o Keraflex (se a opacidade for grande a indicação é de transplante de córnea) e pacientes com córneas finas na área da aplicação do microondas (espessura central e meia-periferia menor que 400 micras) também são contraindicados para o procedimento uma vez que tratando estes olhos com Keraflex pode resultar em complicações ou alterações refrativas imprevisíveis.

*É impressionante como há um abismo entre os cirurgiões e os especialistas em adaptação de lentes de contato especiais e isso não se resume ao Brasil. Mesmo na Europa e nos EUA há uma distância grande entre as técnicas, é difícil encontrar especialistas que dominem ambas as técnicas ou ao menos que conheçam a outra com maior profundidade. Eu vejo seguidamente esta questão quando leio ou ouço especialistas dizerem que uma córnea com cerca de 60 dioptrias ou até mais e que não é possível adaptar lentes de contato. Hoje é possível adaptar lentes com mais de 70 dioptrias de ápice corneano com acuidade visual as vezes próxima de 20/20 dependendo da transparência corneana. A razão pela qual muitos pacientes procuram alternativas cirúrgicas é a dificuldade em adaptar lentes de contato, do contrário talvez não tivessem tal motivação. Creio que os especialistas em córnea hoje segmentam-se nos que operam córnea e aqueles que adaptam lentes especiais profissionalmente, seria muito bom um elo entre estes segmentos pois ambos teriam muito o que aprender um com o outro.

Talvez estes pacientes apenas não tenham testado as lentes que podem servir ao caso deles, as vezes demanda tempo até encontrar um bom especialista que dedique-se a encontrar ou desenvolver uma solução adequada em lentes de contato RGP de desenho especial e personalizado. Assim como a idéia de remodelar a córnea é interessante, o desenvolvimento de novas lentes como os modelos avançados e extremos para ceratocone, assim como as novas lentes esclerais RGPs tem sido marcantes na solução de casos considerados impossíveis de se adaptar lentes.


O procedimento Keraflex deve ter um perfil de boa segurança, porém há ainda alguns riscos que devem ser considerados. O procedimento afeta apenas uma pequena área do epitélio corneano então o risco de complicações relacionadas a defeitos de epitélio é modesto, em todo o caso cuidados devem ser tomados com pacientes os quais são de alto risco para infecções ou cicatrização eptelial lenta. Também qualquer alteração na conformidade corneana apresenta risco de efeitos colaterais ópticos como "glare" (luz forte, clarão), halos, diplopia ou poliplopia, desta maneira os pacientes devem ser informados dessa possibilidade (por termo de consentimento informado assinado pelo paciente possivelmente). Enquanto o objetivo do Keraflex é reduzir a incidência de tais sintomas, há sempre a possibilidade de que pacientes possam desenvolver novas disfotopsias (disturbios da visão).

O Keraflex está atualmente sendo avaliado somente para o tratamento de ceratocone, futuras aplicações podem incluir o tratamento para miopia e/ou astigmatismo. Assim como o ceratocone, o tratamento da miopia esférica envolve o aplanamento uniforme da córnea. Para tratar o astigmatismo são necessários padrões tratamento diferentes. Talvez essa seja a razão pela qual não estejam ainda divulgados os resultados dos erros refrativos referentes ao astigmatismo irregular provocado pelo ceratocone.  

O Keraflex é um novo procedimento de termoceratoplastia sendo testado para o ceratocone. O procedimento Keraflex utiliza energia de microondas dirigida a uma pequena circunferência anular na meia-periferia da córnea. Este procedimento pode aplanar o cone e pode também ajudar a regularizar melhor a córnea. Combinando este procedimento com um procedimento modificado de crosslinking de colágeno de córnea com riboflavina e raio ultravioleta os investigadores esperam aumentar a estabilidade dos olhos assim como regularizar sua geometria. Embora ainda em testes clínicos nos EUA (não aprovado ainda nos EUA, somente ensaios controlados sob investigação) os primeiros resultados com esta tecnologia são promissores.

Durante o procedimento com Keraflex, o equipamento despeja uma baixa energia de pulso de microonda que dura menos de um segundo. Esta energia é aplicada na córnea utilizando um emissor dielétrico vedado de microonda que fica em contato com o a superfície do epitélio corneano. O pulso aumenta a temperatura da região selecionada do estroma corneano em torno de 65° C, contraindo o colágeno corneano e formando uma lesão toroidal nos 150 micras superiores do estroma. Utilizando uma técnica evaporativa de resfriamento (patente pendente), o Vedera KXS esfria a superfície da córnea durante o tratamento para isolar e proteger a Membrana de Bowman do efeito térmico da energia do microonda. A lesão criada durante o Keraflex tem a intenção de aplanar a cornea central para obter uma correção miópica (e o astigmatismo irregular?) sem comprometer a integridade biomecânica da córnea. Abaixo uma animação do procedimento do website da Avedro:


Copyright © 2010, Avedro, Inc.

O montante de alteração refrativa induzida possível de obter com o Vedera KXS é uma função do diâmetro da lesão e seção da córnea. A Avedro desenvolveu o Keraflex Applicators com emissores com diâmetros variados para permitir a capacidade de criar uma disponibilidade de lesões de diferentes tamanhos quando realizado o procedimento. Dependendo do montante de energia liberado pelo Vedera KXS e a escolha do Keraflex Applicator, lesões dos tecidos de diferentes dimensões e geomtrias podem ser criadas. 

Dada a experiência nem tão recente de novos tratamentos que surgem é notório que o avanço das tecnologias vem trazer uma nova possibilidade de tratamento do ceratocone que irá possivelmente juntar-se a outras que surgiram nestas duas últimas décadas. Uma coisa é certa,m estamos na era do remodelamento corneano, enquanto não se encontra uma solução ou entendimento da origem do ceratocone de forma precisa e de buscar tratamentos não invasivos (uma medicação por exemplo) essa será a forma de tratar o ceratocone pois o foco literalmente está em melhorar a acuidade visual ou ao menos permitir que as opções de óculos ou lentes de contato tenham melhores resultados. Uma questão delicada é o quanto é possível remodelar a córnea? Lembrando que é um dos orgãos mais nobres e frágeis do corpo humano. Haverá especialistas combinanando o Keraflex KXL com cirurgia refrativa por excimer laser ou mesmo implante de anel? Onde vamos chegar e quais resultados serão obtidos?

Algumas questões sobre o Keraflex são importantes no meu entender são :
  • Aguardar mais estudos sobre o acompanhamento de casos para saber se não há casos de regressão do tratamento ou de uma "neo-progressão" da córnea.
  • A paquimetria (espessura da córnea) não é alterada, o Keraflex KXL será suficiente em todos os casos para manter a resistência biomecânica obtida logo após o procedimento?
  • Complicações serão observadas? Serão reveladas a curto ou médio prazo?
  • As lentes de contato novamente serão utilizadas para corrigir o que o procedimento não obteu?
O Keraflex é sem dúvida um procedimento promissor, assim como o crosslinking é ainda e relativamente recente também. Por enquanto somente é realizado na Europa e em parte da Asia, creio que irá levar um bom tempo até ser aprovado nos EUA, me parece que o crosslinking ainda não chegou ao fim dos trials ainda. A questão é que assim como quando os outros procedimentos disponíveis surgiram houve uma febre de que essa ou aquela era a solução para tudo... é fundamental ter cautela.

Atualmente se alguém quiser realizar o procedimento talvez tenha que ir para a India ou a Turquia, ou talvez na Europa... Lembre-se de que estamos na era da informação e não da desinformação, pesquise, leia e principalmente sempre tenha um oftalmologista de confiança que o oriente e possa cuidar do seu caso.

Espero com este texto explicando um pouco sobre o Kertflex eu possa estar ajudando a dezenas de pessoas que enviaram emails perguntando sobre este tratamento.

Uma ótima semana a todos.

Luciano Bastos
Diretor e Instrutor de LC do Instituto de Olhos Dr. Saul Bastos - IOSB
Diretor e Consultor Especializado em LC Especiais - Ultralentes

Em colaboração ao Blog C&T.


domingo, 3 de julho de 2011

Protocolos de Crosslinking no Ceratocone: Atualização

O interessse no procedimento de crosslinking tem sido cada vez maior. Apesar de ainda não possuir a aprovação da Food & Drug Administration (FDA-US) alguns centros de pesquisa autorizados pelo governo americano estão realizando estudos com a técnica. Os resultados até então têm refletido os obtidos em outros países onde o procedimento já foi aprovado para uso.  O procedimento, que usa riboflavina e raio UV light para aumentar as ligações de fibras de colágeno e com isso fortalecer a córnea, oferece uma esperança real as pessoas que sofrem de ceratocone ou outra forma de ectasia e pode ser útil para outras condições também. No Brasil, o procedimento de crosslinking de acordo com o Protocolo de Dresden (ver abaixo) já foi aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Protocolo de Dresden

O protocolo de segurança definido em Dresden indica a utilização do crosslinking com a remoção parcial do epitélio corneano em uma zona central e a aplicação da riboflavina a cada 5 minutos e do raio UV de determinada  intensidade por cerca de 30 minutos. Este modelo é defendido pelos idealizador do protocolo Dr. Gregor Wollensak, Dr. Theo Seiler and Dr. Eberhard Spoerl e pode ser definido como o Protocolo de Dresden. Foram estes os pioneiros que utilizaram a técnica do crosslinking.

Em 2008 em uma coluna que escrevi aqui neste blog entitulada Ceratocone, Crosslinking e Cirurgia Refrativa previ que logo haveria especialistas interessados em experimentar a combinação sequencial de técnicas de tratamento e inclusive utilizando a cirurgia refrativa a laser. Embora eu entenda que o conceito de Remodelamento Corneano seja interessante o fenônemo que tem ocorrido em diverssos países, inclusive na própria Alemanha chama a atenção. Muitos especialistas não utilizam mais este protocolo e passaram a utilizar diferentes variações.


Crosslinking com ou sem remoção do epitélio?

O procedimento de acordo com o protocolo original de Dresden indica que a remoção do epitélio corneano é fundamental para a penetração da riboflavina no estroma corneano, assim permitindo o aumento das ligações covalentes de fibras de colágeno corneano e aumentando a resistência biomecânica corneana. A molécula de riboflavina é muito grande para ultrapsssar o epitélio e a membrana adjacente de Bowman.

Crosslinking Transepitelial

Existem alguns estudos de especialistas italianos e americanos que modificam o tipo de riboflavina e a intensidade do ultravioleta de maneira que a a riboflavina possa penetrar na córnea mesmo sem a remoção do epitélio. Esta técnica serviria para atenuar o desconforto e dor do procedimento do crosslinking com a remoção do epitélio e para previnir o haze observado em percentual significativo de casos que pode durar entre alguns dias até algumas semanas e em casos mais raros de alguns meses.

A maior parte dos especialistas afirma que para uma ação mais efetiva do procedimento de crosslinking é fundamental a remoção do epitélio e que resultados mais consistentes são obtidos. A presença do epitélio corneano e da membrana de Bowman são barreiras difíceis de serem transpostas pela riboflvina se estiverem intactas. Isso também eleva o tempo de tratamento de 30 minutos para cerca de uma hora para a riboflavina atingir o estroma corneano.

Protocolo de Atenas

Uma variação do procedimento de crosslinking desenvolvida pelo Dr. Kanellopoulos na Grécia combina o crosslinking com um pequeno montante de cirurgia refrativa por fotoablação a laser. Ele afirma que na experiência do grupo dele na Grécia, o crosslinking funciona melhor quando combinado com o laser. Ele diz estar ciente de que parece uma medida radical de empregar o laser em uma córnea já fina mas que se apenas falar em remover 8 ou 10 micras já está se removendo a membrana de Bowman e assim permitindo uma melhor penetração da riboflavina. 

Dr. Kanellopoulos afirma que a intervenção de um procedimento por fotoablação a laser guiado topograficamente (topo-guiado) no sentido de normalizar a córnea é efetivo. Seu grupo comparou três variações deste protocolo: Crosslinking sozinho; crosslinking com possível procedimento a laser posterior em um segundo momento; ou combinando estas duas juntas, ou seja, fazer a cirurgia de conformação da córnea, retirando o mínimo possível de tecido estromal (no máximo até 50 micras), eliminando em boa parte o estigmatismo irregular e parte da miopia e aplicando o crosslinking imediatamente seguido após a fotoablação topo-guiada. Ele afirma que o tempo de utilização da riboflavina e do ultravioleta diminuem substancialmente para cerca de 10-15 minutos para a realização do crosslinking. O obejtivo é diminuir em cerca de 30 a 40% a refração em alguns casos.

O grupo do Dr. Kanellopoulos refere-se a este método como o Protocolo de Atenas, observando que o objetivo não é apenas remover o epitélio e facilitar a penetração de riboflavina mas sim normalizar o que for possível a irregularidade corneana no ceratocone e ao mesmo tempo ter um efeito refrativo mesmo que seja leve. 

Inicialmente, o grupo de especialistas do Dr. Kanellopoulos foram extremamente criticados pela utilização deste protocolo. "O protocolo de Atenas essencialmente afina uma córnea já afinada mas a combinação de uma fotoablação parcial a laser topo-guiada e o crosslinking imediatamente após têm sido extremamente frutificante" diz Dr. Dr. Kanellopoulos. "Nós estamos muito satisfeitos e orgulhosos que nosso protocolo esteja sendo adotado em diversos centros internacionais." 

O Protocolo de Atenas funciona bem para todos os casos?

"Em córneas muito finas e em córneas com ectasias severas nós não temos uma boa resposta ao tratamento, temos empregado este protocolo em córneas muito finas como uma maneira de tentar que o paciente não precise submeter-se ao transplante de córnea mesmo em algumas córneas com paquimetria prévia de cerca de 360 micras. Muitos destes pacientes ainda mantém ectasias avançadas mas se conseguirmos evitar o transplante de cerca de 50% destes pacientes isso tem um impacto significativo no prognóstico de longo-prazo." afirma Dr. Kanellopoulos. "  


Outra observação feita pelo Dr. Kanellopoulos é que nem sempre a visão é melhor após o tratamento pelo protocolo de Atenas. Se fizermos o crosslinking em algum paciente muito jovem definitivamente se obtém um efeito de estabilização. Entretanto, alguns destes pacientes jovens pioraram a visão após o tratamento. "Ficamos intrigados com esse quebra-cabeça, nossa teoria é a de eles podem estar perdendo um pouco da multifocalidade que é presente em uma córnea com ceratocone." -diz Dr. Kanellopoulos.

Talvez a córnea mais flexível em pacientes jovens permita a eles alterar a acuidade visual funcional favoravelmente e naturalmente o procedimento torna a córnea mais rígida. Logo, é melhor não prometer a pacientes como estes que a sua visão irá ficar melhor após o tratamento, pois pode ser no mínimo incorreto.

Comentário

A idéia de normalizar ou diminuir a irregularidade de uma córnea extremamente irregular e imediatamente aumentar a sua resistência biomecânica pelo crosslinking é interessante. É o que atualmente está sendo já chamado de era do remodelamento corneano ou "corneal remodelling". A idéia é permitir que o paciente de ceratocone tenha uma melhor acuidade visual com óculos ou que possibilite que este tenha um mínimo de acuidade visual satisfatória com óculos. Embora o propósito seja bem interessante sempre há a preocupação, inclusive do Dr.Kanellopoulos dos possíveis eventos adversos ou também chamadas intercorrências como o haze mais prolongado entre outras questões.

Existe um abismo enorme entre os oftalmologistas cirurgiões de córnea que estudam e que estão realizando estes tratamentos com aqueles que fazem a reabilitação visual dos pacientes com ceratocone com o uso de lentes de contato especiais, geralmente lentes de contato rígidas gás permeáveis (RGPs).

Em uma situação ideal o paciente tratado com este procedimento combinado e sequencial imediato do laser topo-guiado e crosslinking poderá beneficiar-se igualmente de uma melhor adaptação de lentes RGPs. Uma córnea um pouco menos irregular e fortalecida é perfeita para a adaptação de lentes de contato especiais de alta qualidade e tecnologia que quando bem adaptadas são extremamente seguras, confortáveis e poderão oferecer uma acuidade visual ainda melhor ao paciente. Como estas técnicas estão sendo aprimoradas com estudos em diversos países, tenho a convicção de que no futuro muitos pacientes poderão beneficiar-se não somente da opção de melhor acuidade visual com óculos mas com lentes de contato RGPs com excelentes resultados.

Embora essa seja uma previsão precisamos levar em conta que a falta de uma padronização de métodos e de protocolos pode também levar os pacientes a uma confusão. Hoje existe uma quantidade maior de opções de tratamento surgindo, entre outras já existentes (implante de anel intraestromal, diferentes técnicas de transplante de córnea). Um novo procedimento que tem sido divulgado é o Keraflex.

Continuação do artigo...

Protocolos Alternativos

Crosslinking combinado com Implante de Anel Corneano: Alguns estudos sugerem que a realização do crosslinking após o implante de anel intracorneano aumenta o efeito desejado de aplanamento, levando a uma topografia mais regular e melhor visão.

Pulsação da luz ultravioleta:  O grupo do Dr. Kanellopoulos está experimentando esta opção. Há uma porção auto-limitadora do processo na reação fotoquímica do crosslinking que é determinada pela disponibilidade de oxigênio. Uma maior fluência de raio UV por períodos mais curtos ajuda requerendo menos oxigênio disponível e pulsando a luz UV poderá prover o tempo necessário para que o tecido possa recuperar um pouco de sua reserva de oxigênio.

Existem atualmente algumas variações de técnicas que estão sendo estudadas, na medida em que maiores informações estiverem disponíveis elas serão postadas.

Comentários:

O implante de anel intraestromal no ceratocone e subsequente crosslinking pode comprometer a afirmação de que o procedimento de implante de anel seria um processo reversível. O protocolo sozinho do procedimento afirma que se os segmentos de anéis forem retirados há a tendência da córnea voltar ao seu estado anterior, com o crosslinking possivelmente esse efeito não irá ocorrer. 

Aqueles pacientes que requerem a adaptação de lentes de contato após o procedimento de implante de anel tem sido adaptados em boa parte com lentes gelatinosas descartáveis ou especiais para ceratocone ou ainda pela técnica do piggyback. Esta técnica consiste em adaptar uma lente rígida sobre a lente gelatinosa de maneira que o paciente obtenha melhor tolerância e conforto. Um problema nessa técnica é que muitos pacientes de ceratocone tem uma superfície ocular com deficiências de lágrima ou instabilidade do filme lacrimal. A falta de uma boa lubrificação geralmente conduz estes pacientes a desenvolver com o tempo uma intolerância alérgica a estas lentes e neste momento precisam ser readaptados com lentes RGP (rígidas gás permeáveis).

Uma queixa freqüente tanto de oftalmologistas que adaptam lentes em pacientes com ceratocone é a dificuldade maior em adaptar lentes rígidas após o implante de anel intraestromal. Geralmente uma porção paracentral inferior da córnea apresenta uma maior elevação em torno da extremidade inferior do segmento de anel. Isso faz com que a lente apresente um toque significativo nesta região e provocando um atrito mecânico nesta área, levando ao desconforto, intolerância e especialmente produzir uma lesão epitelial nessa área.

Alguns esforços foram feitos pelo laboratório Ultralentes para tornar possível a adaptação de lentes RGPs nestes casos com o desenvolvimento da lente Ultracone PCR (Post-Corneal Ring) e das recentes lentes UC Scleral Bastos (SB) e Semi-Scleral Bastos (SSB). As lentes esclerais e semiesclerais foram desenvolvidas pela Ultralentes após mais de 8 anos de estudo científico e tecnológico com a ajuda da equipe do Instituto de Olhos Dr. Saul Bastos (IOSB) O laboratório Ultralentes trabalha diretamente com os oftalmologistas certificados oferecendo tecnologia e consultoria especializada para a adaptação de lentes de contato RGPs especiais personalizadas de acordo com a necessidade de cada caso.


Por Luciano Bastos
Em colaboração com o Blog C&T.