Informações para médicos oftalmologistas e pacientes sobre as lentes esclerais modernas.
Fig.1. Lente Scleral Bastos (SB) de 18.5 mm. (Cortesia IOSB) |
Cada dia mais tem se falado na adaptação de lentes esclerais (Fig.1)
como uma alternativa para aqueles que tem dificuldade em adaptar as lentes
rígidas gás permeáveis (RGPs) corneanas e que não tem bom resultado com lentes
gelatinosas especiais para ceratocone. Mesmo alternativas como a técnica do
"piggyback" ou adaptação "a cavaleiro" que consiste na
adaptação da lente rígida (RGP) por cima de uma lente gelatinosa.
Ouvi inclusive alguns especialistas até mesmo comentarem que
com as lentes esclerais iria acabar com as lentes rígidas (RGPs) especiais
devido ao grande conforto que estas "novas" lentes proporcionam. Isso
não é verdade, explico a seguir.
Fiz questão de grifar o "novas" lentes [esclerais]
porque na verdade as lentes esclerais foram de fato as primeiras lentes que
surgiram. Não vou contar toda a história aqui pois não é o propósito desta
postagem mas o fato é que estas lentes era feitas de vidro inicialmente e mais
tarde de acrílico quando surgiu este material. O problema que estas lentes
apresentavam, embora muito confortáveis, era que elas basicamente não permitiam
a oxigenação da córnea o que provocam o edema de córnea (perdendo a
transparência) por hipoxia (falta de oxigenação) corneana.
Os pacientes conseguiam utilizar estas lentes por no máximo
e 5 a 6hs antes de ficar com a visão embaçada. Quando surgiram as lentes
rígidas menores, mesmo de acrílico a incidência de edema de córnea diminuiu e
aumentou o número de horas que as lentes poderiam ser utilizadas (de 8 a 10hs
diárias), desde que se tivesse um desenho e borda que permitissem a livre
circulação da lágrima.
Posteriormente, com a introdução dos materiais gás
permeáveis as lentes rígidas puderam ser adaptadas de forma que os pacientes
possam usar as lentes desde o acordar até a hora de deitar e em alguns casos
até mesmo dormir com as lentes em caso de necessidade. Nesta década do início
do novo milênio surgiram os materiais gás permeáveis de grande diâmetro para a
fabricação de lentes esclerais.*
A pergunta é o que leva o oftalmologista e o paciente a procurarem esta nova tecnologia?
Sobre a dificuldade de adaptação de lentes rígidas
O problema do desconforto causado pelas lentes rígidas sempre foi ligado ao seu desenho, quanto melhor a qualidade das lentes melhor a adaptação e mais conforto (ao ponto de esquecer que está usando as mesmas) e melhor assegurada estará a manutenção do equilíbrio fisiológico corneano, melhor sua acuidade visual e o tempo de uso. Uma centralização adequada geralmente garante a melhor acuidade possível de se obter e uma correta orientação garante o sucesso da adaptação a longo prazo.
A maior parte dos pacientes que tem dificuldade em adaptar-se com as lentes RGPs especiais podem ser adaptados com estas lentes desde que as lentes estejam corretamente planejadas e que possuam alta qualidade no seu desenho, do centro até a borda tanto na porção anterior (externa) e posterior (interna) da lente. Lentes que não tem mobilidade ou tem mobilidade excessiva, que a borda da lente não é bem feita ou simplesmente não tem um desenho adequado são as mais frequentes dificuldades observadas nos pacientes que tem dificuldades na adaptação. Lentes rígidas (RGPs) de boa qualidade sempre foram bem aceitas pelos pacientes e continuarão a serem as lentes mais adaptadas por aqueles especialistas que sabem diferenciar a qualidade e tecnologia das lentes especiais. As lentes esclerais tem indicação para diversas patologias e é uma excelente opção, especialmente em casos de ceratocone onde o ápice de córnea é muito descentrada em relação ao eixo visual, em casos de patologias associadas como olho seco ou instabilidade do filme lacrimal e em outras situações onde a irregularidade da córnea é tanta que é muito difícil a adaptação de lentes rígidas especiais mesmo esgotando-se as tentativas com lentes de diferentes tecnologias.
Invariavelmente, o protocolo correto é o de iniciar os
testes e adaptação com lentes rígidas gás permeáveis, lentes boas e de alta
tecnologia. Somente deve-se recorrer as lentes esclerais quando realmente
houver necessidade, quando as alternativas forem esgotadas e isso passa
diretamente pela necessidade do profissional compreender que nem todas as
lentes rígidas são iguais. Talvez outro fabricante possa ter uma lente rígida
que será a solução para o caso.
O correto para o paciente e pelo paciente, é
esgotar as possibilidades em lentes RGPs (rígidas) pois são mais acessíveis,
são mais saudáveis (de estiverem bem adaptadas e se forem de boa qualidade) são
lentes de manuseio mais fácil, colocação e retirada mais rápidos e pode
proporcionar excelentes resultados. Ao partir para as lentes esclerais estas
considerações são igualmente verdadeiras.
Neste link http://www.rgp-ultralentes.blogspot.com.br/2013/05/ultracone-absolute-uma-lente-para.html um vídeo da lente Ultracone sobre a adaptação de lentes em ceratocone moderado a alto que consistem no maior número de casos de adaptação de lentes em ceratocone, especialmente porque o ceratocone não progride indefinidamente na imensa maioria dos casos.
10 Dicas e cuidados que devem ser observados pelo paciente
Para aqueles que usam, estão iniciando ou irão iniciar a
adaptação de lentes esclerais é importante estar atento para algumas questões:
Colocação das lentes
1. Utilizar somente solução salina sem
conservantes indicado pelo seu oftalmologista, e se for soro fisiológico
lembrar de armazenar na geladeira e antes de completar 7 dias depois de aberto
jogar fora e abrir um novo. É extremamente recomendado colocar uma etiqueta com
a data na qual foi aberto.
2. A limpeza adequada
das mãos (higiene) antes de manipular suas lentes é muito importante para
evitar a contaminação do soro ou mesmo da superfície da lente ao manipular a
mesma.
3. A limpeza da
lente deve ser feita de maneira "mecânica" inicialmente com o dedo
indicador ou mínimo de uma mão contra a palma da outra mão, fazendo o movimento
circular de fricção. Neste momento um produto indicado para uma boa limpeza é
um xampu neutro levemente diluído em água ou soro. Após, enxaguar bem a
lente e proceder com a limpeza e assepsia com o produto multiuso indicado para
lentes (RGPs).
Fig.2. Observe a pequena bolha próxima a pupila. |
4. Ao colocar a lente, preencha a lente com o
soro até próximo da borda da lente, como um prato de sopa. Olhe para baixo e no
momento de encaixar a lente não desvie o olho para os lados ou para cima. Se
desviar o olho a lente não irá encaixar corretamente e poderá criar a(s)
chamada(s) bolha(s) de inserção (Fig.2). A bolha deve ser observada no espelho, retire a lente e repita a operação. A bolha ou bolhas de inserção
comprometem a visão ao longo do dia e podem inclusive causar desconforto e olho
vermelho.
Sinais a serem observados durante o uso
5. Após as primeiras
horas de uso, observe no espelho (ou peça para alguém olhar) para ver se não há
sinais de vermelhidão lateral especialmente, na porção branca dos olhos (nasal
e temporal). Este é um alerta de que o desenho da lente não está adequado ao
uso e a adaptação precisa ser revista, ou melhor, a lente precisa de
modificação ou mesmo troca.
Fig.3. Área esbranquiçada |
6. Se for possível,
observar se a borda da lente não está "afundando" a conjuntiva
(membrana transparente que recobre a esclera) ou por áreas onde a parte
periférica da lente possa estar interrompendo as terminações de vasos límbicos
(aqueles microvasos vermelhos que todos temos), fica uma área esbranquiçada (Fig.3) que
faz pressão contra a conjuntiva. Estes achados podem causar olhos vermelhos
após retirar as lentes e não é saudável.
Pacientes com pinguécula ou pterígio são susceptíveis de ter
este "obstáculo" pressionado pela lente escleral, portanto estes casos
geralmente requerem a adaptação de uma lente especial que sobreponha ou contorne está
elevação de tecido na conjuntiva.
7. Ao fechar os
olhos, sentir com os dedos a borda da lente por cima das pálpebras inferior e
superior. Não deve ser dolorido ou desconfortável, se a lente tiver uma borda
bem desenhada e bem alinhada o paciente não deve sentir desconforto em tocar
por cima da mesma.
8. Ao longo do uso
observe se a visão não está deteriorando ou perdendo a clareza, como uma visão
mais embaçada ou com menos contraste. Isso pode ser devido ao esgotamento da
capacidade de oxigenação e hidratação do soro que não está sendo renovado com a
lágrima do paciente ou colírio lubrificante sem conservantes (se for o caso).
Embora as lentes esclerais devam ter nenhum ou mínimo movimento possível, é
importante assegurar que as lentes proporcionem a renovação, mesmo que lenta,
do soro, permitindo que a lágrima do paciente (ou colírio lubrificante sem
conservantes) passe por baixo da mesma e recomponha a reserva líquida de soro
preenchida ao colocar as lentes. Isso deve ajudar a evitar o esgotamento da
capacidade do soro de lubrificar e oxigenar a córnea.
9. Dor, olhos
vermelhos, sensação de pálpebras quentes, visão túrgida, "arco-íris" e/ou embaçada não são
normais e devem ser relatadas ao especialista. Ele deverá saber o que precisa
ser feito para resolver o problema, ou contatar o fabricante para orientações.
Após a remoção das lentes
10. Observar após
retirar a lente se não ficou uma marca da lente na porção branca (esclera) dos
olhos. Essa é uma das mais comuns ocorrências que tem sido relatadas pelos
usuários de lentes esclerais que nos procuram no IOSB. Este fenômeno ocorre
devido ao desenho da lente estar comprimindo a zona da borda da lente contra a
esclera e como a conjuntiva é uma membrana macia a marca fica as vezes por
algumas horas antes de sumir e pode também acompanhar de olhos vermelhos após a
retirada das lentes. Neste caso as lentes devem ser modificadas ou substituídas
por lentes que repousem suavemente sobre a esclera sem causar pressão em ponto
específico como na região da borda.
Tanto a marca circular de onde a lente se apoia ou olhos
vermelhos após a remoção das lentes esclerais são achados que embora possam ser
leves e perdurarem de1 a 3hs devem ser considerados como sinal de alerta de que
a adaptação precisa ser revista pelo especialista.
Faça seus exames de acompanhamento da adaptação e de rotina
regularmente, nunca deixe para ir no seu oftalmologista apenas quando tiver
problemas evidentes. Os exames de controle da adaptação são tão importantes
como o exame inicial e a colocação das lentes, na verdade são até mais
importantes pois será neste momento que o seu médico poderá lhe garantir que
tudo está bem ou que há algo a ser modificado para aprimorar a adaptação e
garantir assim a sua saúde ocular.
Espero que estas dicas sejam úteis tanto para os pacientes como para os especialistas que estão iniciando a adaptação de lentes esclerais. É importante compreender quando e porque utilizá-las, assim como saber observar corretamente as pequenas complicações que podem ocorrer, especialmente na curva de aprendizado.
Luciano Bastos
Em colaboração com o Blog C&T.
Para maiores informações escrever comentário neste blog. Se algum oftalmologista desejar contato coloque seu email (não será publicado).
Nota
*Por
volta de 2001 meu pai, Dr. Saul Bastos, pediu-me para que eu pesquisasse e
estudasse se as lentes esclerais poderiam ser fabricadas com os novos material
gás permeáveis. Foi quando tive contato com os primeiros estudos sobre estas
lentes, inicialmente em livros antigos de oftalmologia de meu pai, muito úteis
inclusive e depois com alguns especialistas nos EUA e Europa que foram
professores de meu pai que ainda estavam vivos e trabalhando. Fiquei
aproximadamente sete anos somente pesquisando e aprendendo com a literatura
científica que me foi proporcionada até que em 2007 iniciamos a fabricação dos
protótipos das primeiras lentes semiesclerais (diâmetros de 13.0 a 17.5 mm.) e
esclerais de diâmetros acima de 18.0 mm. Em 2008, foram adaptados no Instituto
de Olhos Dr. Saul Bastos os vinte primeiros pacientes com lentes semiesclerais
e esclerais e somente após um ano e pouco de acompanhamento, visto que o
sucesso foi alcançado e que era uma adaptação segura, é que finalmente a
Ultralentes lançou oficialmente e pioneiramente no Brasil as lentes semiesclerais
e esclerais como parte de seu portfólio de lentes especiais. Com estas lentes,
assim como toda a ampla linha de lentes especiais fabricada pela Ultralentes, é
disponibilizada somente para oftalmologistas credenciados. Mais
recentemente, outra empresa iniciou a fabricação de lentes esclerais sob
licença de um fabricante estrangeiro e possivelmente em breve deve haver outro
fabricante disponibilizando lentes esclerais.