Vivemos na era da informação. A internet a cada dia que
passa se torna mais presente na vida de um número maior de pessoas e a busca
por informações de qualquer natureza foi facilitada por esta poderosa
ferramenta de pesquisa, o Google (entre outros buscadores).
A democratização da informação na internet de certa maneira
possibilita a ter acesso a toda sorte de informações, precisas ou não, sobre
uma infinita gama de assuntos. Muito diferente da minha época onde as
principais fontes de informação estavam nos livros e nas enciclopédias
(Britannica e Barsa). Hoje temos a Wikipédia, a maior enciclopédia do mundo e que
está em permanente atualização graças a um inteligente formato de colaboração e
monitoramento das informações feitas por auditores que verificam fontes e
relevâncias para a credibilidade do sistema.
Hoje, centenas de milhares de pessoas no mundo procuram
diariamente informações a respeito de patologias e no caso aqui iremos focar no
que interessa que são informações sobre a patologia do ceratocone. Já pesquisei
milhares de assuntos nos últimos 10 anos sobre o ceratocone na internet, não é
a minha principal fonte de informações sobre o ceratocone uma vez que tenho em
nossa biblioteca (privada) uma vasta bibliografia sobre córnea e patologias que
afetam a córnea. A internet e o Dr. Google, no entanto, representam grande
parte das atualizações das mais recentes descobertas e novos tratamentos,
existem excelentes artigos científicos, alguns reservados a associados e outros
públicos. A utilização da meta-pesquisa, o método que utilizo quando preciso, é
uma maneira de encontrar um vasto número de ocorrências sobre determinado
assunto relacionado, entretanto é fundamental saber discernir entre tais
informações o que é válido e o que não é ou sobre o que carece maiores
esclarecimentos.
A maior dificuldade que tenho observado nestas pesquisas é
que o paciente geralmente não tem todas as condições de fazer tal discernimento
com clareza por simplesmente não ter uma base de conhecimento específico e
especializado que um médico oftalmologista tem e mesmo sendo médico o mesmo
deve ter experiência e “background” de conhecimento que possibilitem ao mesmo
julgar, contestar ou mesmo aceitar tais informações. Para o paciente ou seus
familiares que buscam uma luz-no-fim-do-túnel para o ceratocone esta não é uma
tarefa fácil, mas não é impossível.
A melhor maneira de fazer pesquisa na internet é ter uma
cultura de desconfiança, não se contentar com as primeiras informações obtidas
(mesmo que estejam corretas) e procurar fontes diversas, ler, ler; reler,
reler. Após ter uma melhor compreensão do tema pesquisado, confronte diferentes
fontes de informação em relação as suas similaridades e controvérsias. Pesquise
mais até o ponto em que você começará a montar a sua própria compreensão do que
está lhe parecendo correto. Lembre-se de que as informações que você quer não
são aquelas que você espera ler, mas, aquelas que irão lhe fornecer precisão e
esclarecimento sobre o seu tema de interesse.
"...a principal
preocupação do paciente com ceratocone
é recuperar a sua capacidade
de enxergar..."
Aconselho a utilizar a técnica de duvidar as informações,
duvide de toda a fonte até ter alguma certeza da veracidade das informações
obtidas, mesmo este blog, duvide dele, busque outras fontes sobre o mesmo tema,
investigue e depois compare. Isso é importante para aumentar ou não a confiança
em relação as informações fornecidas por qualquer fonte na internet.
É importante lembrar que a principal queixa do paciente é o
deterioramento da visão. Já a principal preocupação do paciente com ceratocone é
recuperar a sua capacidade de enxergar como antes do problema. Nenhuma técnica
cirúrgica tem o mesmo potencial de superar a adaptação de lentes de contato
especiais no ceratocone no aspecto da qualidade visual obtida, salvo nos casos
onde houve enorme sucesso, mas qual a porcentagem real de 100% de sucesso?
O Papel do Oftalmologista
Há muitas fontes de informação sobre o ceratocone na
internet, algumas nas páginas de clínicas e que procuram esclarecer as
possibilidades de tratamento e de reabilitação visual. Há outras páginas com informações sobre a
patologia sendo algumas de pacientes que procuram com isso ajudar outros a
compreender seu problema.
As informações que você obtém na internet não substituem a
informação e orientação do seu médico oftalmologista, o médico é soberano (e
assim deve ser) na indicação do tratamento necessário. Naturalmente que se o
paciente sentir-se inseguro quanto a estas orientações é um direito do paciente
ter outras opiniões de outro(s) médico(s). É de fundamental importância que o
paciente e seus familiares tenham confiança no profissional. Não é correto
confrontar o médico com informações obtidas na internet, ele está ali para lhe
ajudar e não se julgue mais preparado que ele. Além de desrespeito com o
profissional, muitas vezes há apenas diferentes pontos de vista mesmo entre
outros oftalmologistas sobre o assunto em questão, seja na proposta de
tratamento como no entendimento do caso.
"...o
médico sempre deseja e acredita que o
procedimento
eleito possa ajudar o paciente..."
Numa época em que há uma campanha de desvalorização da
classe médica, promovida especialmente pelo atual governo, que pouco investe na
saúde pública, os médicos são os profissionais que estão ao seu lado e eles que
irão lhe ajudar a resolver o seu problema da melhor maneira possível. Seja qual
for o tratamento proposto o médico sempre deseja e acredita que o procedimento
eleito possa ajudar o paciente, mesmo quando os resultados não são os esperados
pois sempre há este e outros riscos. Caso o paciente não esteja suficientemente
seguro em relação a determinado especialista ele deve procurar outras opiniões,
e quando sentir-se seguro estabelecer uma relação de confiança com o
oftalmologista, uma boa relação médico-paciente muitas vezes é crucial para o
sucesso do tratamento.
A oftalmologia Brasileira está a altura dos países de
primeiro mundo, mesmo em alguns hospitais públicos há uma excelente estrutura
com modernos equipamentos e médicos com alto nível de preparação. Uma lástima é
que esta realidade não seja para todos os hospitais públicos. Mesmo na área da
iniciativa privada há profissionais com grande experiência e conhecimento, embora
também, há aqueles que não se atualizam com o mesmo empenho. A especialidade em
oftalmologia geral divide-se atualmente em uma enorme gama de sub-especialidades
então é natural que muitos especialistas não tenham conhecimento profundo sobre
um tema, pois não é da sua área. Geralmente estes especialistas encaminham o
paciente para um colega o qual eles conhecem que é da especialidade exigida
para aquele caso. A oftalmologia tem atualmente duas sub-especialidades
principais, a de segmento anterior e posterior, mas com
o aprofundamento do conhecimento especializado surgiram ainda mais outras sub-especialidades ainda mais
restritas que exigem grande dedicação do médico.
"A oftalmologia Brasileira está a
altura dos países de primeiro mundo."
O paciente de ceratocone deve procurar especialistas em
córnea, mas dentro desta especialidade há também diferentes abordagens, por
exemplo: o oftalmologista cirurgião e o oftalmologista que adapta lentes
especiais. Os oftalmologistas, cirurgiões, por sua vez tem diferentes
abordagens conforme o seu treinamento ou área de interesse profissional e
científico. Existem cirurgiões que especializados em transplante de córnea,
outros em implante de anel intraestromal, outros em “crosslinking”, outros em
cirurgias combinadas ou mesmo aqueles que fazem mais de uma ou todas as opções.
Lembrando que em termos de cirurgias, existe uma coisa chamada de curva de
aprendizado e de curva de experiência, na regra aqueles que fazem tudo tem
menor curva de experiência se comparados com aqueles que utilizam apenas uma ou
outra técnica. Isso nem sempre funciona assim, mas creio que isso é fácil de
entender que geralmente a premissa é válida. Isso é válido para lentes de
contato também, operar e adaptar é muito interessante do ponto de vista de
oferecer maior assistência aos casos, mas isso não afetará a curva de
experiência de uma e outra área?
O oftalmologista que adapta lentes de contato especiais por
sua vez também pode estar acostumado a utilizar determinado tipo ou marca de
lentes de contato e nem sempre ele tem outras opções de tecnologias em lentes
especiais de outros fabricantes. Já li muitos relatos de pessoas nos fóruns de
internet dizendo que o médico deles falaram que todas as lentes são iguais. Não
são. É um erro grosseiro tal afirmação e muitas vezes pode colocar em risco o
sucesso da adaptação de lentes um paciente que poderia ter sucesso com as
mesmas, caso fossem outra tecnologia e podem ser encaminhados precocemente para
um procedimento que poderia ser evitado ou postergado.
Técnicas Cirúrgicas Vs. Lentes de Contato Especiais
Uma das maiores queixas em relação ás lentes de contato é a
falta de conforto. Existem, no entanto, milhares de pacientes com ceratocone
perfeitamente adaptados a estas lentes, então como podem alguns simplesmente
não se adaptarem as lentes? A principal razão é que entre as lentes disponíveis
no mercado há uma variedade de desenhos, por mais semelhantes que sejam em
relação a alguns parâmetros básicos, a diferença está nos detalhes e
especialmente na regularidade de qualidade e de tecnologia empregados em sua
fabricação. Os melhores profissionais trabalham com aquelas lentes que melhor
resolvem os seus casos de córneas irregulares e tem a sua disposição uma
consultoria especializada para resolver casos de maior complexidade.
Já os médicos cirurgiões têm geralmente a sua disposição
técnicas cirúrgicas de maior ou menor complexidade, menos ou mais invasivas,
mas que nem sempre podem oferecer os resultados esperados por pacientes
e familiares. Geralmente os casos de maior sucesso são os de ceratocone inicial
ou moderado, embora as técnicas estejam sempre evoluindo e mais pacientes com
casos mais avançados sejam beneficiados. O cirurgião de córnea vê a córnea sob
um diferente enfoque, ele estuda a biomecânica, a viscoelasticidade e até mesmo
as diferentes camadas da córnea para que os procedimentos sejam bem executados
e melhores resultados sejam obtidos. O especialista em adaptação profissional
de lentes e contato tem geralmente uma abordagem mais conservadora sobre a
córnea, um dos órgãos mais nobres e delicados do ser humano. Ele procura manter
acima de tudo o equilíbrio fisiológico da córnea evitando sempre que possível
que exista qualquer comprometimento do mesmo com a adaptação de uma lente que
repouse suavemente na córnea (ou sobre ela se lente escleral) permitindo uma
adequada troca e distribuição lacrimal com conforto e a melhor visão possível
de se obter.
Frequentemente comento com amigos oftalmologistas
(cirurgiões e médicos contatologistas) o quanto fascinante é a área do estudo
da córnea pelo enfoque do cirurgião. Mas observo uma distância abismal entre
estas sub-especialidades e grande carência de informações entre uma e outra área
(vide mão dupla aqui). Há muito que se aprender uma área com a outra e
possivelmente uma melhor interação irá refletir em melhores resultados de
tratamentos e de adaptação de lentes de contato especiais para o paciente de
ceratocone.
Embora os tratamentos cirúrgicos muitas vezes sejam a aspiração do
paciente de ceratocone para resolver definitivamente o seu problema, está claro
que esta não é uma realidade. Um tratamento que funcionou bem em um caso não
irá necessariamente ter o mesmo resultado em outro caso, e muitas vezes a
expectativa do paciente e seus familiares é frustrada, ao menos na questão de
obter enfim uma melhor qualidade de visão e de vida. Já a adaptação de lentes
de contato por sua vez, mostra na hora do teste o nível de conforto (ou
desconforto) da lente e especialmente o potencial de acuidade/qualidade visual
proporcionado pelo uso das lentes. O que é mais complexo aqui é conseguir uma
adaptação de lentes que cumpra o que costumo chamar de tripé ou pirâmide da
adaptação profissional de lentes de contato especiais, que são: Conforto,
Melhor Acuidade Visual Possível de Obter e Preservação da Saúde Fisiológica da
Córnea.
Seria interessante uma maior interação entre os
especialistas em lentes de contato e cirurgiões, através de congressos
científicos com uma participação da Sociedade Brasileira de Lentes de Contato e
Córnea e Refratometria (SOBLEC) com a Sociedade Brasileira de Cirurgia
Refrativa (SBCR). Tenho a convicção de que, embora as vezes os interesses
possam ser conflitantes (afinal são áreas afins mas em direções opostas), o
maior ganho é o de ter sempre o melhor interesse pelo que é melhor para o
paciente, analisadas todas as variáveis envolvidas em especial relativas a vida
profissional e social do paciente como indivíduo e o reabilitar para exercer
suas atividades com segurança, saúde e a melhor visão possível. Os casos onde a cirurgia não é suficiente
para cumprir com esta meta acabam chegando invariavelmente ao consultório do médico contatologista e as
vezes a dificuldade em obter resultados melhores é maior do que previamente ao
procedimento pelo qual o paciente chegou. Por outro lado o paciente que procura
as alternativas cirúrgicas pode não ter sido bem atendido pelas lentes de
contato que lhe foram adaptadas, portanto é invariavelmente uma via de mão
dupla. Algumas estratégias de procedimentos combinados, tendo em vista a
posterior adaptação de lentes especiais, me parece um caminho saudável a seguir
pois a cada dia surgem mais alternativas cirúrgicas e de lentes especiais que
podem ajudar os pacientes que eventualmente necessitem de um e de outro método. Entretanto é preciso ter muita cautela na indicação destes procedimentos para que o impacto seja o mais próximo possível do desejado.
Um planejamento adequado de implante de anel e/ou de
crosslinking (se constatados inequivocamente, episódios de progressão em curtos
espaços de tempo) pode afetar positivamente ou negativamente a adaptação de
lentes especiais. Em alguns casos significa a necessidade de optar por lentes
esclerais (mais caras e mais complicadas de colocar e retirar para o paciente)
em vez de lentes rígidas especiais de alta qualidade e tecnologia. O transplante
de córnea evoluiu muito nas últimas décadas com novas técnicas como o
transplante lamelar e com a utilização do "femtosecond laser", o
transplante penetrante manual com a maior curva de experiência de excelentes
cirurgiões também tem proporcionado resultados memoráveis e que em muitos casos
permitem a readaptação de lentes de contato rígidas, sempre que necessária. Em
casos de astigmatismos irregulares pós-cirúrgicos elevados, a adaptação de
lentes esclerais tem proporcionado uma excelente opção.
Alguns especialistas propõem que a técnica de implante de
anel intraestromal além de melhorar a acuidade visual não corrigida (sem óculos
ou lentes) do paciente beneficia a posterior adaptação de lentes de contato.
Esta afirmação tem que ser examinada com cautela pois todos os especialistas
que conheço reconhecem que em grande parte dos casos há uma dificuldade maior
causada pela presença dos segmentos do anel. Geralmente uma das extremidades de
ao menos um dos segmentos cria uma área de elevação na córnea geralmente na
porção paracentral inferior que faz com que a adaptação de lentes rígidas fique
mais complexa ainda pois a lente acaba raspando nesse elevação e cria uma lesão
(ceratites recorrentes e/ou erosão). Em 2011 tive que criar uma lente especial
chamada Ultracone PCR (Post-Corneal Ring) que pelo seu tamanho e valor sagital
mais amplos, sobrepõem em certos casos essa elevação pontual da córnea. A
técnica do "piggyback" ou "a cavalero" consiste em adaptar
uma lente rígida sobre uma lente gelatinosa de forma a mascarar o desconforto
da lente rígida. No caso do implante de anel, isso é causado justamente por
esta elevação, então pode-se dizer que não houve sucesso no tratamento ao menos
do ponto de vista da reabilitação visual e ainda o paciente é obrigado a
utilizar duas lentes (uma sobre a outra) para a reabilitação visual. Esta
técnica pode funcionar por um tempo, mas ela tem tempo de validade, um dia a
córnea começa a rejeitar (intolerância) a presença da lente gelatinosa e mesmo
que o especialista mude de tipo de lente gelatinosa uma vez iniciado este
processo o paciente precisará adaptar lentes rígidas corneanas ou esclerais.
Existem casos nos quais mesmo com a técnica do "piggyback" a córnea
sofre com o atrito mecânico gerado pela força da pálpebra superior ao piscar,
as vezes isso ocorre pela escolha inadequada da lente rígida que se adapta
sobre a gelatinosa. Definitivamente seria de grande importância uma maior
interação entre estas duas grandes e importantes áreas de segmento anterior na
oftalmologia.
A adaptação de lentes de contato de alta qualidade, de alta
tecnologia e corretamente planejada é a que melhor alternativa para a
reabilitação visual, isso é fato conhecido pela maior parte dos especialistas. O que
muitos dizem é que de fato há muitos pacientes que não querem ou não conseguem
usar lentes de contato, mas talvez não saibam exatamente por que razão isso
ocorre. Falta a eles a compreensão de que existem especialistas preparados e
experientes que contam com um arsenal de opções mais amplo e dispõem de
conhecimento para sobrepor dificuldades que outros especialistas por uma razão
ou outra não dispõem. As próprias lentes
esclerais e sua recente notoriedade representam essa realidade que não ocorre
somente no Brasil mas como em diversos países de primeiro mundo como EUA e na
própria Europa. Há lentes boas que proporcionam uma melhor adaptação e que
possuem uma grande regularidade de desempenho. As lentes esclerais tem uma
excelente resposta não somente no ceratocone mas em outros casos pós-cirúrgicos
como pós-implante de anel e no pós-transplante quando estes tratamentos falham
na questão de proporcionar a tão necessária reabilitação visual.
O que o paciente espera do tratamento proposto?
Uma conversa franca com o oftalmologista é crucial para que
as expectativas imaginadas não sejam frustradas, é importante citar o que pode
dar certo e o que pode não dar, quais as consequências que são desejadas quanto
ao procedimento e quais as chances de sucesso. É importante compreender que os
pacientes com ceratocone e suas famílias vivem muitas vezes sob constante
expectativa de encontrar uma solução definitiva e essa solução muitas vezes
pode ser justamente não operar e orientar para o uso de lentes de contato,
desde que com profissional experiente e que possa adaptar casos com as maiores
complexidades.
O paciente de ceratocone que obtém sucesso em seu
tratamento, especialmente cirúrgico, muitas vezes ignora que nem todos os casos
terão a mesma eficácia que o dele. É comum nas comunidades de ceratocone
pacientes recomendarem o seu médico pois ele "resolve qualquer caso" de
ceratocone, no entendimento do paciente. Embora essa seja sem dúvida uma
maneira na qual mais pacientes possam beneficiar-se de tal informação, reflete
uma sensação do paciente na qual ele acredita
que todos demais casos possam também beneficiar-se. Alguns pacientes até mesmo exageram nesse
sentimento de idolatrar seu especialista e a técnica utilizada. Nem todas as
pessoas tem a mesma capacidade de discernir estes exageros sinceros. Cabe ao médico orientar o paciente, sendo ou não exatamente o procedimento o qual o paciente ou seus familiares estão entusiasmados.
Novos Tratamentos e a Mídia
A preocupação dos pacientes com ceratocone que não tem ainda
seus problemas resolvidos ou parcialmente resolvidos é tanta que a cada oportunidade que surge uma
nova perspectiva de tratamento há uma ampla divulgação nas comunidades. A disseminação da notícia e a expectativa
criada em torno do "novo tratamento" costuma ser rápida e tem um
espaço de tempo limitado de circulação que pode ou não extender-se. Geralmente
os meios de comunicação em massa como a televisão são responsáveis pelo
surgimento destas ondas de novos tratamentos. A mídia televisiva e jornalista
geralmente aborda este e outros assuntos de saúde com bastante superficialidade
e com informações frequentemente distorcidas ou com vícios de informação.
Provavelmente o primeiro exemplo disso tenha ocorrido durante a primeira edição
do Big Brother Brasil, quando a Rede Globo através do Programa do Faustão
exibiu um de seus participantes que teria ceratocone. Faustão apresentou um
tratamento, o do implante de anel intraestromal como sendo o único tratamento e
a "cura" para o ceratocone. A ideia sensacionalista e absolutamente
incorreta de que a patologia causa cegueira nos pacientes representou na época
um desserviço, faltou ao apresentador ou a sua equipe de reportagem consultar
outras fontes de informação para oferecer sim a notícia mas correta de que a
técnica apresentada representava uma alternativa a mais para os pacientes e não
uma solução final.
E assim recentemente foi veiculada uma reportagem de um caso
de um atleta olímpico, o "caso Hollocomb" que foi submetido a uma
técnica de "crosslinking" combinada com o implante de lente Visian
ICL. Isso ocorreu em 2008 e funcionou bem para o atleta devido ao fato de seu
caso não ser avançado mas um ceratocone moderado. Embora muitas vezes um
ceratocone inicial ou moderado possa ter um profundo impacto na perda de acuidade
e qualidade visual devido ao astigmatismo regular produzido, no caso do atleta
olímpico o procedimento combinado do crosslinking e do implante da lente Visian
ICL foi suficiente para que ele pudesse ter uma melhora significativa da visão.
Neste caso mais uma vez a mídia talvez
mais preocupada em veicular notícia que "vendem" as Olimpíadas Rio
2016 do que trazer informações precisas, a notícia mesmo tratando-se de um caso
de 6 anos atrás, virou assunto em várias comunidades de ceratocone.
O que não
se fala é que em grande parte dos casos o paciente ainda precisará de lentes de
contato ou com alguma sorte de óculos para corrigir o astigmatismo ainda
presente no ceratocone pois a lente corrige mais a miopia do que o astigmatismo
irregular provocado pela patologia.
"...grande parte dos casos o paciente ainda precisará
de lentes de contato ou com alguma sorte de óculos..."
Outro tratamento que virou notícia durante algum tempo,
cerca de dois anos atrás, foi o Keraflex
+KXL. Este procedimento utiliza uma técnica de microondas para derreter o
colágeno corneano central, congelando a córnea ao redor do tratamento para
manter a sua estrutura e com isso remodelar a área afetada pelo ceratocone de
maneira que grande parte da irregularidade seja eliminada, e para assegurar que
a córnea seja mantida em seu novo estado é feito um crosslinking acelerado que
utiliza uma riboflavina modificada e pode ser aplicada em torno de 5 minutos
apenas em vez dos 30 minutos da técnica tradicional do crosslinking (CXL).
Os estudos publicados sobre a técnica, embora promissores,
revelaram que uma porção significativa da miopia era neutralizada pelo
tratamento ou seja, diminuía substancialmente a miopia mas o astigmatismo
corneano não era reduzido na mesma proporção e as vezes o aspecto topográfico
era um tanto irregular após o tratamento. Os próprios especialistas que
utilizaram a técnica e publicaram seus achados mencionam que a técnica carecia
de aperfeiçoamentos.
Qual o melhor tratamento?
Não existe melhor tratamento. O tratamento ideal, seja os
cirúrgicos dos menos aos mais invasivos tem as suas indicações específicas
embora a interpretação de qual o método mais indicado para o paciente possa
variar entre um especialista e outro. É importante que o paciente e se for o
caso os familiares envolvidos tenham a maior quantidade de informações e
opiniões para tomar uma decisão em conjunto com o especialista. Uma das maiores
preocupações dos pacientes de ceratocone é do seu caso agravar, de ficarem
cegos ou de precisarem de transplante de córnea. Estudos mostram que estatisticamente
cerca de apenas 10% dos casos realmente podem precisar de transplante de córnea
enquanto outros poderão beneficiar-se com técnicas cirúrgicas menos invasivas
ou principalmente com a adaptação de lentes de contato e alguns com óculos
apenas.
Uma informação importante e a qual não agrada alguns
pacientes e conforta a muitos é que a adaptação de lente de contato especial é a mais eficaz alternativa de todas para a reabilitação visual e que elas podem muitas vezes
proporcionar uma acuidade visual perfeita como se o paciente não tivesse nenhum
problema de ordem visual. Será que todos os cirurgiões sabem disso? Creio que
não com a profundidade exata da questão, mas os pacientes tem o direito de
saber disso.
"... a adaptação de lente de contato especial é a
mais eficaz alternativa de todas para a reabilitação visual..."
Aqueles que não querem, ou que tiveram experiências
desastrosas com lentes de má qualidade ou mal adaptadas eventualmente
desenvolvem uma espécie de trauma psicológico em relação a possibilidade de
usar lentes de contato. É de fundamental importância que eles saibam que nem
todas as lentes rígidas são iguais e que existem sim lentes de alta qualidade e
tecnologia as quais as chances de eles terem uma excelente adaptação são
maiores. Além disso, atualmente pode-se contar com as modernas lentes esclerais,
as quais tive o privilégio de iniciar os primeiros estudos e desenvolver os
primeiros modelos no Brasil, permitem oferecer um conforto inigualável e uma
excelente acuidade visual. Além da Ultralentes que fabrica seu próprio modelo
criado por mim (Scleral Bastos) há ao menos uma empresa de grande porte que
também oferece uma lente escleral de alta qualidade e aos poucos a
popularização destas lentes pode ajudar a muitos que por um motivo ou outro não
tiveram sucesso com lentes rígidas corneanas (RGPs).
Sobre os estudos da origem do ceratocone
Praticamente todos os estudos envolvendo a etiologia do
ceratocone mencionam que o ato de coçar
os olhos com força excessiva tem importante papel no surgimento da patologia e
portanto a principal recomendação a ser feita aos pacientes é a de não coçar os
olhos. O oftalmologista investiga a causa da coceira e procura tratar sua
origem de forma tópica ou sistêmica se for o caso. O paciente bem orientado e devidamente
acompanhado tem bem menores chances de desenvolver episódios de progressão da
patologia, se adaptado com lentes de contato o especialista tem o dever de
procurar o que tiver de melhor, dentro de seu conhecimento em lentes de
contato, para proporcionar uma adaptação tranquila, com a melhor acuidade
visual possível, com conforto e especialmente mantendo o equilíbrio fisiológico
corneano.
Espero que este texto possa servir de reflexão ou mesmo de
orientação para que mais pacientes de ceratocone possam ter uma melhor
qualidade de vida, recuperando a sua melhor visão dentro do possível e com
saúde e conforto.
Se você quiser emitir
a sua opinião, médico ou paciente, este blog está a disposição para todos. Seus
comentários, críticas e sugestões são muito bem-vindos.
Luciano Bastos
Em colaboração com o Blog C&T.